(Folha de S.Paulo) O governo americano
autorizou ontem, pela primeira vez, que um medicamento seja usado para
impedir a infecção de seres humanos pelo HIV, vírus causador da Aids.
Trata-se do Truvada, uma única pílula que combina duas substâncias, hoje vendida como remédio para pessoas portadoras do HIV.
Uma série de testes internacionais, envolvendo milhares de pessoas,
tanto heterossexuais quanto homossexuais, mostrou que, além de
controlar infecções já existentes, o Truvada tem um papel preventivo,
diminuindo em 70%, em média, o risco de adquirir o vírus.
Justamente por esse resultado animador, embora longe de ser
perfeito, especialistas pedem cautela. É improvável que o Truvada
substitua o uso da camisinha como principal medida de prevenção contra o
avanço da Aids.
CARO E COM RISCOS
Além disso, é preciso considerar, entre outras coisas, o custo do
tratamento -em torno de R$ 20 mil por ano- e o risco de efeitos
colaterais, como náusea, vômito e diarreia. Mais raramente, também podem
ocorrer problemas nos rins e maior propensão a ter osteoporose.
Em resumo, não se trata de um profilático de uso geral, mas de uma
medida para ajudar quem já corre risco muito elevado de se infectar.
“Na nossa realidade, seria válido analisar um possível uso em casos
como o de casais sorodiscordantes [em que uma das pessoas já têm o HIV,
enquanto a outra ainda não foi infectada] com relacionamento estável”,
disse à Folha o infectologista Caio Rosenthal, do Instituto Emilio
Ribas, em São Paulo.
“O uso do Truvada deve ser complementar, jamais substituindo o
preservativo”, afirma Valdez Madruga, do programa de DST/Aids do Estado
de São Paulo e consultor da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia).
NA ENTRADA
NA ENTRADA
Ambos os componentes do Truvada, o tenofovir e a emtricitabina,
pertencem a uma das classes mais populares de substâncias anti-HIV.
São os chamados inibidores de transcriptase reversa -bloqueiam, em
outras palavras, a molécula que o vírus usa para “inscrever” seu próprio
material genético no DNA das células humanas.
Quando o vírus consegue fazer isso com sucesso, diz-se que ele se “integrou” ao genoma do hospedeiro.
O processo transforma, em certo sentido, as células humanas em
escravas produtoras de vírus. E torna praticamente impossível eliminar o
parasita do organismo -por isso é tão importante impedir que a
integração viral ocorra.
Se o uso do medicamento não for adequado -caso o paciente não tome o
Truvada todo dia, conforme recomendado, por exemplo-, aumenta o risco
de o vírus desenvolver resistência contra o remédio, afirma Rosenthal.
O diretor do Emilio Ribas, o infectologista David Uip, é
completamente contra a adoção do Truvada como estratégia de saúde
pública.
“Além de haver métodos mais eficazes, um dos componentes do
Truvada, o tenofovir, também é largamente usado no tratamento da
hepatite. Seu uso indiscriminado pode levar à resistência a várias
drogas dessa classe.”
Já para Esper Kallás, infectologista da USP, embora nenhum remédio
substitua o preservativo, ele será de grande contribuição. “É uma
excelente notícia, porque aumenta o arsenal que nós temos à nossa
disposição. Mas nada invalida o uso do preservativo e o diagnóstico.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário