O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) 
discutiu em plenária, no dia 27 de junho, estratégias de convivência com
 o Semiárido e os impactos da seca na segurança alimentar e nutricional 
na população da região. Diversas medidas estruturantes e emergenciais 
foram formuladas, com base na visão social da construção do Semiárido a 
partir das experiências locais.
Os cidadãos, especialmente os agricultores familiares e grupos 
vulnerabilizados – como os indígenas e povos e comunidades tradicionais –
 devem ter acesso a água, que é um direito humano previsto pela 
Organização das Nações Unidas (ONU), para o consumo e produção de 
alimentos, de forma adequada e sustentável pelo poder público. Apesar de
 seu enorme potencial produtivo, o Semiárido brasileiro tem passado por 
repetidos períodos de secas cientificamente previsíveis. No entanto, a 
região mantém-se sistematicamente despreparada devido a um equívoco 
essencial: historicamente as políticas e estratégias visam o combate à 
seca, ao invés de se pautarem por uma convivência com o Semiárido.
A concepção tradicional tem se revelado assistencialista e 
concentradora de terra, água e oportunidades, gerando concentração de 
riqueza e miséria para muitos, enquanto o paradigma da convivência tem 
se mostrado capaz de construir um conjunto de ações sustentáveis do 
ponto de vista social, econômico, cultural e ambiental. Deste modo, as 
potencialidades da região têm sido melhor aproveitadas, como aponta a 
quantidade de alimentos regionais adquiridos pelo Programa de Aquisição 
de Alimentos (PAA).
A atual estiagem é a mais longa das últimas três décadas, com 
previsão de prolongar-se até 2013, de acordo com a Articulação no 
Semiárido (ASA). As comunidades mais vulneráveis e isoladas estão sendo 
penalizadas de forma alarmante. De acordo com dados da Secretaria 
Nacional de Defesa Civil, já são 1.123 municípios em situação de 
emergência, atingindo 8.315.403 pessoas em nove estados. O agravamento 
da segurança alimentar e nutricional, principalmente pela queda da 
produção de alimentos para o autoconsumo, é um dos impactos dessa seca.
As oligarquias sempre se aproveitaram das secas para aumentarem suas 
posses de terras no Seminárido e no Brasil. Com recursos públicos, 
realizam obras vultuosas e caras para benefício próprio e de seus 
parceiros, de modo a enraizarem seu poder político à custa da miséria da
 população. Milhares de pessoas são expulsas de suas terras nesses 
períodos, embora também se note algumas mudanças significativas para a 
população mais atingida, como políticas governamentais e iniciativas da 
sociedade. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa 
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), dentre outros, são 
significativos nesse sentido, em sinergia com a agricultura familiar.
O Consea enaltece a decisão da presidência da República de 
universalizar o acesso à água para todos, o que implica, entre outras 
medidas, na construção de quase 750 mil novas cisternas para o consumo 
humano. A contribuição da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) é 
louvável, com os seus projetos de cisternas de placa, ao invés das de 
polietileno que apresentam problemas, junto ao governo. Iniciativas 
inovadoras de redes de organizações sociais, como os bancos comunitários
 e familiares de sementes crioulas, tornando os agricultores sujeitos de
 sua história, também são louváveis. Muitas dessas experiências da 
sociedade ainda estão a requerer a transformação de suas experiências 
exitosas em políticas públicas.
A Agroecologia norteia essas experiências, construindo, de forma 
coletiva, uma nova concepção e prática de assistência técnica baseada na
 troca do saber científico com os saberes populares. Tudo isso graças à 
persistência de ONGs e o apoio histórico das agências de cooperação 
internacional. Porém, há riscos e retrocessos nessas políticas, como a 
distribuição massiva de sementes com poucas variedades pelos programas 
do Governo Federal. As sementes passam por processos agroquímicos e não 
são adaptadas à diversidade local, gerando uma brutal erosão genética do
 valioso patrimônio das sementes crioulas.
O Consea reconhece a ampliação de ações do Governo voltadas para o 
Semiárido nos últimos anos, mas percebe fragilidades de 
operacionalização em nível local. Em busca de universalizar políticas de
 convivência com o Semiárido promotoras do desenvolvimento sustentável, o
 Consea recomenda: Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança 
Alimentar e Nutricional (Sisan) na região, implementação da política de 
reforma agrária e regularização fundiária no meio rural e urbano 
adequada à realidade local, universalização do saneamento básico e 
revisão da legislação de repasse de recursos para organizações e redes 
da sociedade civil, dentre outras iniciativas. A implantação de uma 
política de agroecologia é fundamental para todas as realizações, de 
modo a consolidar um estoque de água, alimentos e sementes adequados às 
especificidades da região.
Estas são algumas das propostas apresentadas pelo Consea à presidenta
 Dilma Rousseff, que prepararão o Semiárido para a convivência com o seu
 clima e sua realidade. Medidas emergenciais, no entanto, se fazem 
necessárias para combater o sofrimento de muitos nesse momento. É 
preciso, portanto, continuar e ampliar o abastecimento das cisternas com
 água tratada de forma gratuita pelas empresas públicas na perspectiva 
do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável. O rastreamento dos 
carros pipas pela Defesa Civil e pelo Exército, de modo a erradicar seu 
uso político, também é importante junto com outras iniciativas. O 
aumento da agilidade nas ações de emergência e desburocratização do 
processo de liberação de créditos especiais para a seca também são 
fundamentais, dentre outras realizações. Diante de tantos apontamentos 
com base na análise e experiências locais, o órgão propõe uma Política 
Nacional de Convivência com o Semiárido, de caráter permanente, que pode
 servir de modelo para outras regiões e biomas do país.
Leia a íntegra do documento formulado pelo Consea

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