Segundo Gerson Teixeira, a possibilidade de comprar créditos de
carbono transformará os latifúndios improdutivos em “fábricas de
carbono”.
Artigos recentemente publicados por Gerson Teixeira, ex-presidente da
Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), e Guilherme Costa
Delgado, consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, tratam das
conexões entre a reforma agrária e a titulação de terra com os novos
mecanismos da economia verde, aprovados no texto do Código Florestal.
Gerson Teixeira aborda a alteração no Código Florestal, no Art. 41,
parágrafo 4, que institucionaliza os Títulos de Carbono e Cotas de
Reservas Legais como mecanismo de comércio de crédito de carbono.
Segundo Teixeira, a possibilidade de comprar créditos de carbono
transformará os latifúndios improdutivos em “fábricas de carbono e em
repositórios de reserva legal”, assegurando falsamente a função
produtiva e o respeito ao meio ambiental.
Um agravante à instituição de Títulos de Carbono e Cotas de Reservas
Legais, segundo Delgado, é a possibilidade de negociação em Bolsas de
Valores ou de Commodities, onde os títulos serviriam de caminho para a
internacionalização do mercado de terras.
Diante da gravidade das possíveis conseqüências trazidas com os
mecanismos da economia verde, associados às alterações propostas para o
Código Florestal Brasileiro, Teixeira afirma que a Abra dará
centralidade ao debate do tema e aponta a necessidade de haver pressão
para que não sejam aprovados tais mecanismos no Código.
Confira os artigos:
–
Gerson Teixeira: latifúndios improdutivos viraram fábricas de carbono
Fonte: site do MST, por Gerson Teixeira*, publicado em 26 de junho de 2012
De
um modo geral, os setores de esquerda ‘passaram batido’ com a armadilha
fundiária e territorial contida no texto do ‘Novo Código Florestal’
aprovado pelo Congresso, fruto das ações dos ruralistas e das entidades
do ambientalismo de mercado, com o aval entusiasmado do capital
financeiro.
Trata-se dos desdobramentos sobre a estrutura agrária, da
institucionalização do comércio de florestas para fins de compensação
dos passivos de reserva legal até 2008, e da utilização de áreas
protegidas (APP e RL), no mercado de carbono, conforme os arts. 4º e 9º,
da Lei de Mudanças Climáticas combinados com o art. 41,§4º, do ‘Novo
Código’. Em ambos os casos visa-se os mercados interno e internacional.
Essa opção de política ambiental via o concurso de instrumentos de
mercado tem sido denunciada por entidades da sociedade civil, entre
outras razões, por suas implicações éticas e políticas ao estabelecer a
mercantilização e financeirização do patrimônio natural do país. Ou, no
limite, pela transformação de bens comuns do povo brasileiro em
alternativa rentista para o capital especulativo internacional.
Contudo, outra derivação desses instrumentos, igualmente desastrosa, e
que não aflorou nos debates no Congresso, diz respeito à tendência de
perpetuação das anomalias da estrutura fundiária do país, inclusive, com
rebatimentos práticos na neutralização dos comandos constitucionais e
legais que orientam as possibilidades da reforma agrária.
O esclarecimento dessa hipótese requer, antes, uma breve abordagem
sobre esses novos ‘negócios verdes’ que caem como luva nas ideias da
‘economia verde’ conforme os conceitos mais atrasados que circularam na
‘Rio + 20’, felizmente rechaçados pelo governo brasileiro.
A partir da plena eficácia da Lei, bolsas de mercadorias e futuros,
bolsas de valores e entidades de balcão organizado, estarão habilitadas a
operar no mercado mobiliário, Títulos de Carbono e Cotas de Reservas
Legais – CRAs, que inserem, principalmente a floresta amazônica
brasileira, com suas terras e biodiversidade, no circuito da
globalização financeira.
Será possível, neste florescente comércio, eufemisticamente
caracterizado como de prestação de serviços ecossistêmicos ou
ambientais, ganhos financeiros cumulativos com operações com os dois
títulos de crédito sobre uma mesma base física de negócio, i.e, sobre um
mesmo imóvel rural. E, neste, parte correspondente dos títulos de
carbono poderá estar sob o controle de uma empresa na China, e parte
equivalente das cotas de reservas ambientais, sob o controle de uma
empresa madeireira filipina. Enfim, são bens comuns tangíveis e
intangíveis, que passam a se somar às commodities convencionais do
agronegócio brasileiro, cada vez mais sob o controle do capital
financeiro.
Estão elegíveis para o mercado de carbono, as atividades de
manutenção das APP, de Reserva Legal, e de uso restrito, as quais, nos
termos da nova legislação, configuram ‘adicionalidade’ para fins de
mercados nacionais e internacionais de reduções de emissões certificadas
de gases de efeito estufa.
As cotas de reservas ambientais, na proporção de uma cota para um
hectare de floresta, serão lastreadas por área sob regime de servidão
ambiental; áreas excedentes às reservas legais; áreas de Reserva
Particular do Patrimônio Natural – RPPN; e áreas particulares
localizadas no interior de Unidade de Conservação.
Ademais, caracterizando concessão duvidosa para compensar a
agricultura familiar pela eliminação da isenção de reserva legal,
prevista no Relatório Aldo Rebelo, a Lei prevê que as reservas desses
imóveis sejam utilizadas como cotas ambientais. Considerando os dados do
Censo Agropecuário de 2006, significa que perto de 4.9 milhões de
hectares de matas nativas das reservas legais dos estabelecimentos
familiares poderão justificar a manutenção de área potencial de igual
magnitude, do passivo, até 2008, das reservas dos grandes imóveis. Sem
dúvidas, haveria formas mais aceitáveis para o legítimo estímulo de
práticas sustentáveis pela agricultura familiar.
O fato é que essas novas possibilidades de negócios tendem, também, a
blindar o latifúndio improdutivo da desapropriação para fins sociais. E
mais: tendem a subverter o conceito constitucional da função social
exigido dos imóveis rurais.
Com efeito, latifúndios improdutivos serão transformados em fábricas
de carbono e em repositórios de reserva legal, o que lhes assegurará
função produtiva e virtuosismo ambiental. Imagine-se um mega latifúndio
na Amazônia de 50 mil hectares, no caso, com toda a floresta originária
preservada.
O seu titular, proprietário ou posseiro, poderá fazer excelentes
negócios no mercado de carbono em cima de 40 mil hectares, e os outros
10 mil hectares serão transformados em 10 mil cotas de reserva ambiental
para compensar os passivos de reservas de outros imóveis. Pergunta-se:
esse latifúndio poderá ser desapropriado?
Obviamente não, pois, por exemplo, a área de floresta excedente à
reserva estará alienada para as finalidades de compensação de reservas
de outros imóveis. Observe-se que o art. 50 da Lei, dispõe sobre as
hipóteses de cancelamento das cotas de reserva ambiental entre as quais
não figura a desapropriação.
É provável que, pelo efeito desses instrumentos, a mensuração da
produtividade de um imóvel passe a exigir nova metodologia de cálculo do
Grau de Utilização – GU, e do Grau de Eficiência da Exploração – GEE,
de modo a incluir os novos e ‘virtuosos’ atributos desse latifúndio. Ou
mesmo, que ao GU e GEE venha a ser adicionado o GCAC (Grau de Cotas
Ambientais e de Carbono).
Nem mesmo os representantes do latifúndio contavam com esse
presentinho batalhado pelos ambientalistas de mercado. Afinal, além dos
novos grandes negócios, estarão livres de ações involuntárias de reforma
agrária à medida que as suas extensas áreas improdutivas terão um up
grade moral com as suas transformações em reservas de excelência
ambiental e climática.
Não bastasse tais consequências, com as lacunas da Lei esses
instrumentos poderão ser utilizados para o processo de ‘esquentamento da
grilagem de terras’ em larga escala, notadamente na Amazônia. Assim,
não será surpresa a inclusão, pelo IBGE, num futuro próximo, das
informações sobre a posse e o uso dos milhões de hectares do território
brasileiro, atualmente ocultos, pois não registrados pelo nosso órgão de
pesquisas geográficas.
Em suma, esse tema, de dimensão estratégica para o Brasil passou
despercebido no processo que resultou no texto ainda não definitivo do
Novo Código Florestal. A Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra)
dará centralidade à discussão do assunto por ocasião do seminário que
promoverá em Brasília nos próximos dias 28 e 29.
Ainda há tempo para que os partidos de esquerda, em especial o PT,
atuem sobre a MP nº 571, de 2012, de modo a tentar evitar as piores
sequelas dos negócios verdes que projetam cenários torvos para o Brasil.
*Gerson Teixeira e Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária
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Economia verde-financeira associada ao novo código florestal aumenta caos fundiário e ambiental
Fonte: Correio da Cidadania, por Guilherme Costa Delgado*, publicado em 17/07/2012
Há
poucos dias, o atual presidente da Associação Brasileira de Reforma
Agrária (ABRA), Gerson Teixeira, chamou atenção em artigo veiculado pela
internet para uma mudança introduzida pelo novo Código Florestal (Art.
41, parágrafo 4), que institucionaliza os Títulos de Carbono e Cotas de
Reservas Legais como mecanismo de comércio de crédito de carbono,
instrumento financeiro que se propõe a vender excessos de oxigênio
gerados pelas florestas nacionais em compensação aos setores emissores
líquidos de dióxido de carbono na atmosfera.
Essa iniciativa, analisada sob os enfoques fundiário, ambiental e
internacional, a depender da implementação que venha a ter, contém
riscos sociais enormes, que provavelmente passaram desapercebidos,
exceto pelos espertos caçadores de oportunidades a qualquer custo. Vamos
tentar traduzir para o leitor esses riscos, associados à via financeira
da economia verde e da sua conexa internacionalização do mercado de
terras, que a nova norma do Código Florestal pretende introduzir.
Títulos de Carbono e Cotas de Reservas Legais são títulos
patrimoniais novos, que ‘proprietário e possuidores’, conforme o texto
legal, uma vez emitindo-os, convertem o ativo real a que se reportam
(território florestal sob comércio) em direito de propriedade do
comprador. Negociados em Bolsas de Valores ou de Commodities, tais
títulos seriam via certa e direta da internacionalização do mercado de
terras, principalmente das terras de vasta cobertura florestal natural –
a Amazônia Legal brasileira em especial, mas não apenas. A avaliação
financeira desses créditos/débitos de carbono irá depender evidentemente
do ‘valor’ que esse comércio venha a alcançar no mercado global.
Por outro lado, títulos patrimoniais para negociação no mercado
financeiro requerem titularidade legal reconhecível, sob pena de a
transação envolvida não se efetivar. Aí reside um grave problema
brasileiro, de natureza fundiária, que está envolvido na questão. A
titularidade da esmagadora maioria dos territórios das florestas em
Parques e Reservas, Terra Indígena e Terras Devolutas, é da União ou dos
estados, não obstante em toda essas áreas públicas haver intrusão de
grileiros e em pequenas dimensões de posseiros familiares. Essas terras
públicas, para entrarem no mercado financeiro, no formato que o Código
Florestal institui, precisariam ser privatizadas legalmente, para
somente então serem financeirizadas e internacionalizadas.
Esse processo que a economia verde de vertente financeira persegue
ignora absolutamente a situação agrária do país, a população camponesa
e, por que não dizer?, também o meio ambiente. Isto porque crédito de
carbono emitido a partir do fato natural (absorção de dióxido e emissão
de oxigênio) não envolve nenhum trabalho humano, mas sim a captura de
uma renda fundiária ambiental mundial, por conta de uma ilegítima
apropriação privada do território. Tampouco melhora a situação ambiental
das regiões nacionais de agricultura avançada, que também poderiam
compensar seus débitos com compra de títulos no mercado financeiro.
É necessário olhar com muita cautela a regulamentação deste texto
legal (Código Florestal). Isto porque muito astutos de ocasião,
percebendo um pouco a exaustão do ‘boom da commodities’ que caracterizou
o ciclo expansivo primário-exportador da última década, podem estar
tentando ensaiar um movimento tìpicamente financeiro de
internacionalização do mercado de terras, sob etiqueta verde.
Aparentemente, o governo Dilma encampou desapercebidamente a jogada
dos verdes de vertente financeira. Terá a oportunidade da regulamentação
legal para colocar freios na especulação mais escandalosa, sob pena de
produzir uma enorme confusão fundiário-financeira. Até certo ponto, a
desordem de titularidades fundiárias no país como um todo e na Amazônia
Legal em particular são um sério obstáculo à perpetuação da engenharia
financeira preconizada no Código Florestal. Mas como bem observou o
competente geógrafo Ariovaldo Umbelino, uma nova Lei de Terras, à imagem
e semelhança daquela de 1850, pode ser o sonho ruralista para realizar
essa nova vertente financeira do mercado de terras.
* Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Saiba mais sobre o tema:
(*) Textos reproduzidos do boletim da Terra de Direitos.