Tensões, esforços e energia dos militantes do movimento negro nacional, dos companheiros antirracistas e do senador Paulo Paim estão se escoando nessa nova tentativa de sua aprovação, com base em um parecer da Comissão de Consti tuição, Justiça e Cidadania mais que enfraquecido pelas modificações realizadas nas duas casas legislativas. Ele retira o fundamento maior do documento que é a exigência da exclusão da palavra “raça” com argumentos pseudocientíficos de genes e genoma, quando o conceito já está consolidado no ideário científico e comum, não somente do Brasil, mas da comunidade internacional. É necessário trazer à memória o esforço da Organização das Nações Unidas (ONU), que reiteradamente tem editado e realizado convenções, conferências e reuniões para indicar aos países membros o fim do racismo e da discriminação racial, exigindo a implementação de políticas públicas para tal objetivo. Veja-se, por exemplo, a Con venção Inter nacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discri minação Racial, e a recente III Conferência Mundial para a Eliminação de todas as Formas de Racismo, Discrimi nação Racial, Xeno fo bia e formas conexas de Dis cri minação. Seus relatórios e de clarações, todos aprovados pe lo Estado brasileiro, são ex plí citos na utilização dos termos “raça” e “racismo” para de signar o fenômeno social de uti lização da discriminação e ex clusão social com base no pertencimento racial.
Assim, a mudança do termo “raça” para “etnia”, assim como a retirada da referência à escravidão, a retirada da sub-seção “Do sistema de cotas na educação” e a retirada das proposições de medidas práticas para a promoção da igualdade racial no país nos setores de saúde, mídia e demais áreas de referência de qualidade de vida, são especiais eufemismos, com resultados contundentes para a manutenção das desigualdades sociais. Mais ainda: especialmente as modificações do parecer na comissão do Senado que encaminha o projeto para a votação e aprovação interferem negativamente para a educação da sociedade brasileira, que deveria, sim, ser dirigida para a promoção de uma sociedade justa e de respeito ao papel da população negra como efetiva realizadora e contribuidora do desenvolvimento nacional, desde o período da escravidão até nossos dias.
Em vez disso, o que vemos no projeto modificado é mais um “presentinho do racismo cordial brasileiro”, que a um tempo indica um “compromisso” do Estado brasileiro para a promoção da igualdade (racial), mas por outro retira significativamente a efetividade da lei na promoção e implemen tação de políticas públicas de real promoção da igualdade racial.
Dora Lucia de Lima Bertulio é Procuradora Federal na Fundação Cultural Palmares
Fonte: Gazeta do Povo
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Racismo Cordial em Ação
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