quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O nióbio é nosso?

Dois litros de um novo biodiesel de origem mineral, com qualidade testada e comprovada, estão nas prateleiras do Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (Lasape), do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Falta só o interesse das indústrias para ser produzido em larga escala.No mesmo local, há mais de dez anos, foi criada uma substância capaz de revelar resquícios de sangue lavado de cenas de crime para dificultar as investigações. Mais barata e vantajosa que o luminol original americano, a versão brasileira é usada pelo Instituto de Criminalística Carlos Eboli, da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
“O produto também pode ser empregado contra infecção hospitalar porque muitas bactérias se proliferam em partículas de sangue”, afirma o farmacêutico Claudio Cerqueira Lopes, coordenador das pesquisas da UFRJ.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadores do laboratório de Metalurgia e Solidificação do Departamento de Engenharia de Materiais criaram uma prótese de quadril fabricada com uma liga metálica que, além de mais barata e resistente, é totalmente biocompatível. Isto é, o material não provoca reações inflamatórias e alérgicas que levam o organismo a rejeitá-lo. “Quando o produto passar a ser produzido em escala industrial, o país finalmente ficará independente da tecnologia estrangeira”, explica o engenheiro e pesquisador Éder Sócrates Najar Lopes.
As experiências das duas universidades públicas têm em comum o uso de matérias-primas derivadas do nióbio, elemento químico raro em todo o mundo. E abundante no Brasil. Encontrado na natureza em forma de minerais, como a columbita e o pirocloro, é extraído, beneficiado e negociado como concentrado mineral para utilização em usinas siderúrgicas, que o adicionam a outros metais para obter ligas metálicas com características físicas e químicas de interesse industrial.
Entre as indústrias que mais o empregam estão a espacial, nuclear, aeronáutica, de petróleo e gás, bélica, da construção pesada e de equipamentos médicos, como próteses e componentes para aparelhos de ressonância magnética e tomografia.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil concentra mais de 95% das reservas mundiais, embora outras fontes estimem em até 98%. Em 2010, a produção do concentrado do minério alcançou 63 mil toneladas, além de 53 mil toneladas de uma liga de ferronióbio, das quais 45 mil foram exportadas ao valor de US$ 1,56 bilhão.
No mesmo período, 4 mil toneladas de óxido de nióbio foram produzidas, das quais foram exportadas 1.500, a US$ 44 milhões. O segundo maior produtor mundial é o Canadá, com 1,5%. Os preços são negociados entre comprador e vendedor e, geralmente, são confidenciais. Com base em dados do British Geological Survey, órgão do governo britânico de pesquisas em geociências, o ministério informa que, em 2007, os valores do ferronióbio variavam entre US$ 12 e US$ 14 o quilo. Em fevereiro de 2011, devido ao aumento da demanda por esse metal, o quilo do ferronióbio esteve em torno de US$ 40.

Reservas ameaçadas

O Plano Nacional de Mineração 2030, que norteia as políticas de médio e longo prazo, estima um crescimento de 5,1% para o mercado interno e 3,8% para o mercado externo. As principais reservas minerais estão localizadas nos municípios de Itambé (BA), Itapuã do Oeste (RO), Catalão e Ouvidor (GO), Araxá e Tapira (MG) e Presidente Figueiredo e São Gabriel da Cachoeira (AM). A de São Gabriel, a maior, esteve na mira do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 1997, houve a intenção de vender, por R$ 600 mil, a reserva capaz de abastecer todo o consumo mundial por mais de mil anos.
O minério também pode ser encontrado no nordeste de Roraima, na terra indígena Raposa Serra do Sol. Conforme o ministério, não há informações sobre novas minas que passarão a produzir.
A maior mina em operação atualmente é a da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), em Araxá, que processa, fabrica e vende. Cerca de 75% do nióbio usado em todo o mundo é produzido ali.
Desde os anos 1950, quando foi criada, a CBMM era controlada pelo grupo Moreira Salles – uma rede de empresas com participação do capital estrangeiro –, que controlava o Unibanco, incorporado em 2008 pelo Itaú. Nos últimos anos, porém, 15% das ações da companhia foram vendidas para chineses, japoneses e coreanos, grandes consumidores de nióbio, que assim deixaram para trás o risco de depender de um único fornecedor.
Um parêntese: os americanos, que dependem do nióbio brasileiro, têm pequenas minas no estado de Nebraska, com pureza de 0,5% – enquanto a do minério brasileiro chega a 2%. Mesmo assim, aprovaram recentemente uma lei que autoriza nova varredura no próprio subsolo em busca de reservas mais robustas. Segundo o site da CBMM, um contrato com a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) prevê a transferência de 25% de participação operacional nos lucros ao governo de Minas Gerais. A empresa tem subsidiárias na Holanda, Cingapura e Estados Unidos.
O segundo maior produtor brasileiro é a Mineração Catalão, na cidade de mesmo nome em Goiás. É controlada pela Anglo American, um dos maiores grupos de mineração e recursos naturais do mundo, que opera desde 1976. 
O ferronióbio produzido ali é exportado para Europa, América do Norte e Ásia. A empresa vendeu 4 mil toneladas em 2010 e cogita ampliar a produção.
Até a década de 1970, o Brasil exportava apenas o concentrado do minério, de pouco valor agregado. Em busca de tecnologia para processamento do mineral e sua valorização, o então Ministério da Indústria e Comércio criou o Projeto Nióbio, em parceria com a CBMM. A empresa fornecia o minério e pagava os salários de quase uma centena de pesquisadores chefiados por Daltro Garcia Pinatti, do Instituto de Física da Unicamp. O governo custeou instalações e equipamentos.
O engenheiro Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), no interior de São Paulo, participou do projeto. Ele conta que em 1978, quando a instituição ainda não estava incorporada pela Universidade de São Paulo (USP), teve início a construção do laboratório. Hoje desativadas, as instalações ainda preservam o forno de feixe de elétrons importado da Alemanha, que já foi o mais moderno do mundo e processou 120 toneladas de nióbio, cujas amostras foram exportadas para Japão, Estados Unidos e Alemanha, entre outros países. “Além de formar mão de obra qualificada, o projeto forneceu material para diversos laboratórios estrangeiros estudarem mais sobre o potencial do nióbio”, conta Sandim.

Desperdício

Onde tem nióbio tem tântalo
  • Seja qual for o aparelho de comunicação que tenha um display de LCD, ali tem uma fina camada de tântalo. E, se fosse pouco, o minério é muito importante para a indústria química, uma vez que só perde para o vidro em termos de resistência à corrosão por ácidos minerais.
  • Com seu pó é possível produzir capacitores de alta performance para celulares, por exemplo. Isso sem contar as aplicações militares. Versátil assim, o tântalo é tão raro e estratégico quanto o nióbio, porém bem mais valorizado no mercado internacional.
  • “E ambos aparecem juntos na natureza. Onde tem um, tem outro”, afirma o engenheiro Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), que defende um Projeto Tântalo no Brasil e maior fiscalização.
  • Segundo ele, todo o tântalo extraído na Amazônia é contrabandeado. “Os navios entram, despejam fora a água do lastro e põem minério escondido no lugar.” No mercado internacional, um quilo de tântalo puro vale US$ 800, preço até 20 vezes maior que o do nióbio.
O Projeto Nióbio é o esforço máximo empreendido no Brasil em busca de tecnologia para valorizar um mineral abundante no país e praticamente inexistente naqueles que dele dependem. “O nióbio vai além do luminol, do biodiesel e das ligas especiais”, afirma Claudio Cerqueira Lopes, da UFRJ, que tem em seu laboratório várias teses a partir de pesquisas com nióbio que poderiam ser transformadas em produtos de alto valor agregado. “Temos de desenvolver tecnologias que transformem nossas matérias-primas abundantes em riqueza. Se não criarmos políticas para isso corremos o risco de ficar eternamente exportando barato commodities, como o nióbio, e importando produtos caros feitos com ele e dependentes de tecnologia externa.”
Para Adriano Benayon, ex-diplomata e professor de Economia aposentado pela Universidade de Brasília (UnB), o fato de o Brasil ter mais de 90% das reservas de um material tão raro e estratégico e vendê-lo como commodity, sem investir em tecnologias que agreguem valor, não é diferente do que acontece com outras matérias-primas, como o quartzo, usado em chip para computadores.
“Apesar de sua importância estratégica, o nióbio não é valorizado na pauta de exportações brasileiras”, afirma. “Além disso, o governo recebe apenas 2% do valor declarado dos minerais em geral, que, evidentemente, muitas vezes é subfaturado. Para completar, a lei isenta os minérios de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços”, explica.
Para se ter uma ideia do quão lucrativo deve ser o negócio do nióbio, Benayon, que defende a estatização das reservas, lembra que os irmãos Fernando Roberto, João, Pedro e Walther Moreira Salles, que ficaram com o controle de apenas 20% da CBMM, figuram na lista dos mais ricos do mundo, divulgada no começo de março passado pela revista Forbes. “O curioso é que os quatro têm fortunas avaliadas em US$ 2,7 bilhões. Como o Unibanco já vinha quase falindo, essa fortuna toda só pode ter vindo do nióbio”, acredita.
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