“O produto
também pode ser empregado contra infecção hospitalar porque muitas
bactérias se proliferam em partículas de sangue”, afirma o
farmacêutico Claudio Cerqueira Lopes, coordenador das pesquisas da
UFRJ.
Na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadores do laboratório de Metalurgia
e Solidificação do Departamento de Engenharia de Materiais criaram uma
prótese de quadril fabricada com uma liga metálica que, além de mais
barata e resistente, é totalmente biocompatível. Isto é, o material não
provoca reações inflamatórias e alérgicas que levam o organismo a
rejeitá-lo. “Quando o produto passar a ser produzido em escala
industrial, o país finalmente ficará independente da tecnologia
estrangeira”, explica o engenheiro e pesquisador Éder Sócrates Najar
Lopes.
As
experiências das duas universidades públicas têm em comum o uso de
matérias-primas derivadas do nióbio, elemento químico raro em todo o
mundo. E abundante no Brasil. Encontrado na natureza em forma de minerais,
como a columbita e o pirocloro, é extraído, beneficiado e negociado como
concentrado mineral para utilização em usinas siderúrgicas, que o
adicionam a outros metais para obter ligas metálicas com características
físicas e químicas de interesse industrial.
Entre as
indústrias que mais o empregam estão a espacial, nuclear, aeronáutica,
de petróleo e gás, bélica, da construção pesada e de equipamentos
médicos, como próteses e componentes para aparelhos de ressonância
magnética e tomografia.
Segundo o
Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil concentra mais de 95% das
reservas mundiais, embora outras fontes estimem em até 98%. Em 2010, a
produção do concentrado do minério alcançou 63 mil toneladas, além de
53 mil toneladas de uma liga de ferronióbio, das quais 45 mil foram
exportadas ao valor de US$ 1,56 bilhão.
No mesmo
período, 4 mil toneladas de óxido de nióbio foram produzidas, das quais
foram exportadas 1.500, a US$ 44 milhões. O segundo maior produtor mundial
é o Canadá, com 1,5%. Os preços são negociados entre comprador e
vendedor e, geralmente, são confidenciais. Com base em dados do British
Geological Survey, órgão do governo britânico de pesquisas em
geociências, o ministério informa que, em 2007, os valores do
ferronióbio variavam entre US$ 12 e US$ 14 o quilo. Em fevereiro de 2011,
devido ao aumento da demanda por esse metal, o quilo do ferronióbio esteve
em torno de US$ 40.
Reservas ameaçadas
O Plano
Nacional de Mineração 2030, que norteia as políticas de médio e longo
prazo, estima um crescimento de 5,1% para o mercado interno e 3,8% para o
mercado externo. As principais reservas minerais estão localizadas nos
municípios de Itambé (BA), Itapuã do Oeste (RO), Catalão e Ouvidor
(GO), Araxá e Tapira (MG) e Presidente Figueiredo e São Gabriel da
Cachoeira (AM). A de São Gabriel, a maior, esteve na mira do governo de
Fernando Henrique Cardoso. Em 1997, houve a intenção de vender, por R$
600 mil, a reserva capaz de abastecer todo o consumo mundial por mais de
mil anos.
O minério
também pode ser encontrado no nordeste de Roraima, na terra indígena
Raposa Serra do Sol. Conforme o ministério, não há informações sobre
novas minas que passarão a produzir.
A maior mina em
operação atualmente é a da Companhia Brasileira de Metalurgia e
Mineração (CBMM), em Araxá, que processa, fabrica e vende. Cerca de 75%
do nióbio usado em todo o mundo é produzido ali.
Desde os anos
1950, quando foi criada, a CBMM era controlada pelo grupo Moreira Salles
– uma rede de empresas com participação do capital estrangeiro –, que
controlava o Unibanco, incorporado em 2008 pelo Itaú. Nos últimos anos,
porém, 15% das ações da companhia foram vendidas para chineses,
japoneses e coreanos, grandes consumidores de nióbio, que assim deixaram
para trás o risco de depender de um único fornecedor.
Um parêntese:
os americanos, que dependem do nióbio brasileiro, têm pequenas minas no
estado de Nebraska, com pureza de 0,5% – enquanto a do minério
brasileiro chega a 2%. Mesmo assim, aprovaram recentemente uma lei que
autoriza nova varredura no próprio subsolo em busca de reservas mais
robustas. Segundo o site da CBMM, um contrato com a Companhia de
Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) prevê a
transferência de 25% de participação operacional nos lucros ao governo
de Minas Gerais. A empresa tem subsidiárias na Holanda, Cingapura e
Estados Unidos.
O segundo maior
produtor brasileiro é a Mineração Catalão, na cidade de mesmo nome em
Goiás. É controlada pela Anglo American, um dos maiores grupos de
mineração e recursos naturais do mundo, que opera desde 1976.
O
ferronióbio produzido ali é exportado para Europa, América do Norte e
Ásia. A empresa vendeu 4 mil toneladas em 2010 e cogita ampliar a
produção.
Até a década
de 1970, o Brasil exportava apenas o concentrado do minério, de pouco
valor agregado. Em busca de tecnologia para processamento do mineral e sua
valorização, o então Ministério da Indústria e Comércio criou o
Projeto Nióbio, em parceria com a CBMM. A empresa fornecia o minério e
pagava os salários de quase uma centena de pesquisadores chefiados por
Daltro Garcia Pinatti, do Instituto de Física da Unicamp. O governo
custeou instalações e equipamentos.
O engenheiro
Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), no
interior de São Paulo, participou do projeto. Ele conta que em 1978,
quando a instituição ainda não estava incorporada pela Universidade de
São Paulo (USP), teve início a construção do laboratório. Hoje
desativadas, as instalações ainda preservam o forno de feixe de elétrons
importado da Alemanha, que já foi o mais moderno do mundo e processou 120
toneladas de nióbio, cujas amostras foram exportadas para Japão, Estados
Unidos e Alemanha, entre outros países. “Além de formar mão de obra
qualificada, o projeto forneceu material para diversos laboratórios
estrangeiros estudarem mais sobre o potencial do nióbio”, conta
Sandim.
Desperdício
Onde tem nióbio tem tântalo
- Seja qual for o aparelho de comunicação que tenha um display de LCD, ali tem uma fina camada de tântalo. E, se fosse pouco, o minério é muito importante para a indústria química, uma vez que só perde para o vidro em termos de resistência à corrosão por ácidos minerais.
- Com seu pó é possível produzir capacitores de alta performance para celulares, por exemplo. Isso sem contar as aplicações militares. Versátil assim, o tântalo é tão raro e estratégico quanto o nióbio, porém bem mais valorizado no mercado internacional.
- “E ambos aparecem juntos na natureza. Onde tem um, tem outro”, afirma o engenheiro Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), que defende um Projeto Tântalo no Brasil e maior fiscalização.
- Segundo ele, todo o tântalo extraído na Amazônia é contrabandeado. “Os navios entram, despejam fora a água do lastro e põem minério escondido no lugar.” No mercado internacional, um quilo de tântalo puro vale US$ 800, preço até 20 vezes maior que o do nióbio.
O Projeto
Nióbio é o esforço máximo empreendido no Brasil em busca de tecnologia
para valorizar um mineral abundante no país e praticamente inexistente
naqueles que dele dependem. “O nióbio vai além do luminol, do biodiesel
e das ligas especiais”, afirma Claudio Cerqueira Lopes, da UFRJ, que tem
em seu laboratório várias teses a partir de pesquisas com nióbio que
poderiam ser transformadas em produtos de alto valor agregado. “Temos de
desenvolver tecnologias que transformem nossas matérias-primas abundantes
em riqueza. Se não criarmos políticas para isso corremos o risco de ficar
eternamente exportando barato commodities, como o nióbio, e importando
produtos caros feitos com ele e dependentes de tecnologia externa.”
Para Adriano
Benayon, ex-diplomata e professor de Economia aposentado pela Universidade
de Brasília (UnB), o fato de o Brasil ter mais de 90% das reservas de um
material tão raro e estratégico e vendê-lo como commodity, sem investir
em tecnologias que agreguem valor, não é diferente do que acontece com
outras matérias-primas, como o quartzo, usado em chip para
computadores.
“Apesar de
sua importância estratégica, o nióbio não é valorizado na pauta de
exportações brasileiras”, afirma. “Além disso, o governo recebe
apenas 2% do valor declarado dos minerais em geral, que, evidentemente,
muitas vezes é subfaturado. Para completar, a lei isenta os minérios de
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços”, explica.
Para se ter uma
ideia do quão lucrativo deve ser o negócio do nióbio, Benayon, que
defende a estatização das reservas, lembra que os irmãos Fernando
Roberto, João, Pedro e Walther Moreira Salles, que ficaram com o controle
de apenas 20% da CBMM, figuram na lista dos mais ricos do mundo, divulgada
no começo de março passado pela revista Forbes. “O curioso é que os
quatro têm fortunas avaliadas em US$ 2,7 bilhões. Como o Unibanco já
vinha quase falindo, essa fortuna toda só pode ter vindo do nióbio”,
acredita.
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