Dois litros de um novo biodiesel de origem mineral,
com qualidade testada e comprovada, estão nas prateleiras do Laboratório
de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (Lasape), do Instituto de
Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Falta só o
interesse das indústrias para ser produzido em larga escala.No mesmo
local, há mais de dez anos, foi criada uma substância capaz de revelar
resquícios de sangue lavado de cenas de crime para dificultar as
investigações. Mais barata e vantajosa que o luminol original americano,
a versão brasileira é usada pelo Instituto de Criminalística Carlos
Eboli, da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
“O produto
também pode ser empregado contra infecção hospitalar porque muitas
bactérias se proliferam em partículas de sangue”, afirma o
farmacêutico Claudio Cerqueira Lopes, coordenador das pesquisas da
UFRJ.
Na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadores do laboratório de Metalurgia
e Solidificação do Departamento de Engenharia de Materiais criaram uma
prótese de quadril fabricada com uma liga metálica que, além de mais
barata e resistente, é totalmente biocompatível. Isto é, o material não
provoca reações inflamatórias e alérgicas que levam o organismo a
rejeitá-lo. “Quando o produto passar a ser produzido em escala
industrial, o país finalmente ficará independente da tecnologia
estrangeira”, explica o engenheiro e pesquisador Éder Sócrates Najar
Lopes.
As
experiências das duas universidades públicas têm em comum o uso de
matérias-primas derivadas do nióbio, elemento químico raro em todo o
mundo. E abundante no Brasil. Encontrado na natureza em forma de minerais,
como a columbita e o pirocloro, é extraído, beneficiado e negociado como
concentrado mineral para utilização em usinas siderúrgicas, que o
adicionam a outros metais para obter ligas metálicas com características
físicas e químicas de interesse industrial.
Entre as
indústrias que mais o empregam estão a espacial, nuclear, aeronáutica,
de petróleo e gás, bélica, da construção pesada e de equipamentos
médicos, como próteses e componentes para aparelhos de ressonância
magnética e tomografia.
Segundo o
Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil concentra mais de 95% das
reservas mundiais, embora outras fontes estimem em até 98%. Em 2010, a
produção do concentrado do minério alcançou 63 mil toneladas, além de
53 mil toneladas de uma liga de ferronióbio, das quais 45 mil foram
exportadas ao valor de US$ 1,56 bilhão.
No mesmo
período, 4 mil toneladas de óxido de nióbio foram produzidas, das quais
foram exportadas 1.500, a US$ 44 milhões. O segundo maior produtor mundial
é o Canadá, com 1,5%. Os preços são negociados entre comprador e
vendedor e, geralmente, são confidenciais. Com base em dados do British
Geological Survey, órgão do governo britânico de pesquisas em
geociências, o ministério informa que, em 2007, os valores do
ferronióbio variavam entre US$ 12 e US$ 14 o quilo. Em fevereiro de 2011,
devido ao aumento da demanda por esse metal, o quilo do ferronióbio esteve
em torno de US$ 40.
Reservas ameaçadas
O Plano
Nacional de Mineração 2030, que norteia as políticas de médio e longo
prazo, estima um crescimento de 5,1% para o mercado interno e 3,8% para o
mercado externo. As principais reservas minerais estão localizadas nos
municípios de Itambé (BA), Itapuã do Oeste (RO), Catalão e Ouvidor
(GO), Araxá e Tapira (MG) e Presidente Figueiredo e São Gabriel da
Cachoeira (AM). A de São Gabriel, a maior, esteve na mira do governo de
Fernando Henrique Cardoso. Em 1997, houve a intenção de vender, por R$
600 mil, a reserva capaz de abastecer todo o consumo mundial por mais de
mil anos.
O minério
também pode ser encontrado no nordeste de Roraima, na terra indígena
Raposa Serra do Sol. Conforme o ministério, não há informações sobre
novas minas que passarão a produzir.
A maior mina em
operação atualmente é a da Companhia Brasileira de Metalurgia e
Mineração (CBMM), em Araxá, que processa, fabrica e vende. Cerca de 75%
do nióbio usado em todo o mundo é produzido ali.
Desde os anos
1950, quando foi criada, a CBMM era controlada pelo grupo Moreira Salles
– uma rede de empresas com participação do capital estrangeiro –, que
controlava o Unibanco, incorporado em 2008 pelo Itaú. Nos últimos anos,
porém, 15% das ações da companhia foram vendidas para chineses,
japoneses e coreanos, grandes consumidores de nióbio, que assim deixaram
para trás o risco de depender de um único fornecedor.
Um parêntese:
os americanos, que dependem do nióbio brasileiro, têm pequenas minas no
estado de Nebraska, com pureza de 0,5% – enquanto a do minério
brasileiro chega a 2%. Mesmo assim, aprovaram recentemente uma lei que
autoriza nova varredura no próprio subsolo em busca de reservas mais
robustas. Segundo o site da CBMM, um contrato com a Companhia de
Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) prevê a
transferência de 25% de participação operacional nos lucros ao governo
de Minas Gerais. A empresa tem subsidiárias na Holanda, Cingapura e
Estados Unidos.
O segundo maior
produtor brasileiro é a Mineração Catalão, na cidade de mesmo nome em
Goiás. É controlada pela Anglo American, um dos maiores grupos de
mineração e recursos naturais do mundo, que opera desde 1976.
O
ferronióbio produzido ali é exportado para Europa, América do Norte e
Ásia. A empresa vendeu 4 mil toneladas em 2010 e cogita ampliar a
produção.
Até a década
de 1970, o Brasil exportava apenas o concentrado do minério, de pouco
valor agregado. Em busca de tecnologia para processamento do mineral e sua
valorização, o então Ministério da Indústria e Comércio criou o
Projeto Nióbio, em parceria com a CBMM. A empresa fornecia o minério e
pagava os salários de quase uma centena de pesquisadores chefiados por
Daltro Garcia Pinatti, do Instituto de Física da Unicamp. O governo
custeou instalações e equipamentos.
O engenheiro
Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), no
interior de São Paulo, participou do projeto. Ele conta que em 1978,
quando a instituição ainda não estava incorporada pela Universidade de
São Paulo (USP), teve início a construção do laboratório. Hoje
desativadas, as instalações ainda preservam o forno de feixe de elétrons
importado da Alemanha, que já foi o mais moderno do mundo e processou 120
toneladas de nióbio, cujas amostras foram exportadas para Japão, Estados
Unidos e Alemanha, entre outros países. “Além de formar mão de obra
qualificada, o projeto forneceu material para diversos laboratórios
estrangeiros estudarem mais sobre o potencial do nióbio”, conta
Sandim.
Desperdício
Onde tem nióbio tem tântalo
- Seja qual for o aparelho de comunicação
que tenha um display de LCD, ali tem uma fina camada de tântalo. E, se
fosse pouco, o minério é muito importante para a indústria química, uma
vez que só perde para o vidro em termos de resistência à corrosão por
ácidos minerais.
- Com seu pó é possível produzir
capacitores de alta performance para celulares, por exemplo. Isso sem
contar as aplicações militares. Versátil assim, o tântalo é tão raro
e estratégico quanto o nióbio, porém bem mais valorizado no mercado
internacional.
- “E ambos aparecem juntos na natureza.
Onde tem um, tem outro”, afirma o engenheiro Hugo Ricardo Sandim,
professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), que defende um
Projeto Tântalo no Brasil e maior fiscalização.
- Segundo ele, todo o tântalo extraído na
Amazônia é contrabandeado. “Os navios entram, despejam fora a água do
lastro e põem minério escondido no lugar.” No mercado internacional, um
quilo de tântalo puro vale US$ 800, preço até 20 vezes maior que o do
nióbio.
O Projeto
Nióbio é o esforço máximo empreendido no Brasil em busca de tecnologia
para valorizar um mineral abundante no país e praticamente inexistente
naqueles que dele dependem. “O nióbio vai além do luminol, do biodiesel
e das ligas especiais”, afirma Claudio Cerqueira Lopes, da UFRJ, que tem
em seu laboratório várias teses a partir de pesquisas com nióbio que
poderiam ser transformadas em produtos de alto valor agregado. “Temos de
desenvolver tecnologias que transformem nossas matérias-primas abundantes
em riqueza. Se não criarmos políticas para isso corremos o risco de ficar
eternamente exportando barato commodities, como o nióbio, e importando
produtos caros feitos com ele e dependentes de tecnologia externa.”
Para Adriano
Benayon, ex-diplomata e professor de Economia aposentado pela Universidade
de Brasília (UnB), o fato de o Brasil ter mais de 90% das reservas de um
material tão raro e estratégico e vendê-lo como commodity, sem investir
em tecnologias que agreguem valor, não é diferente do que acontece com
outras matérias-primas, como o quartzo, usado em chip para
computadores.
“Apesar de
sua importância estratégica, o nióbio não é valorizado na pauta de
exportações brasileiras”, afirma. “Além disso, o governo recebe
apenas 2% do valor declarado dos minerais em geral, que, evidentemente,
muitas vezes é subfaturado. Para completar, a lei isenta os minérios de
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços”, explica.
Para se ter uma
ideia do quão lucrativo deve ser o negócio do nióbio, Benayon, que
defende a estatização das reservas, lembra que os irmãos Fernando
Roberto, João, Pedro e Walther Moreira Salles, que ficaram com o controle
de apenas 20% da CBMM, figuram na lista dos mais ricos do mundo, divulgada
no começo de março passado pela revista Forbes. “O curioso é que os
quatro têm fortunas avaliadas em US$ 2,7 bilhões. Como o Unibanco já
vinha quase falindo, essa fortuna toda só pode ter vindo do nióbio”,
acredita.
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