SÃO PAULO - Hormônios, nanomateriais e remédios poluem a água. O problema é que ainda não se sabe ao certo como lidar com eles.
Quando passamos ao lado de um rio poluído, o mau cheiro denuncia a péssima qualidade da água. A cor escura ou a presença de espuma também apontam que algo vai mal. Mas o que fazer quando a poluição não pode ser vista com facilidade? A água parece limpa, mas está contaminada por um tipo de poluente praticamente invisível, difícil de detectar, não legislado no Brasil e com efeitos em grande parte desconhecidos. Essa é a nova preocupação dos cientistas que estudam os agentes poluidores da água e, consequentemente, seus efeitos sobre a vida.
As substâncias se reúnem sob o nome de contaminantes emergentes e estão presentes em bens de consumo da vida moderna, como protetores solares, remédios, materiais para retardar chamas, pesticidas e nanomateriais. "Ainda há poucos estudos na área, mas devido às aglomerações urbanas e ao saneamento precário, que aumentam a concentração dessas substâncias, elas podem trazer riscos ao ambiente e à saúde", diz Wilson Jardim, pesquisador do Laboratório de Química Ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, são conhecidos cerca de três milhões de compostos sintéticos — número que aumenta entre 5% e 10% todos os anos. Em média, 200 toneladas deles são produzidas nesse período, sendo que entre 20% e 30% podem contaminar a água e atingir os animais e o homem.
Hormônios também poluem
Alguns dos compostos emergentes mais estudados são os hormônios. Por fazer parte da nossa vida, parecem inofensivos. Mas o crescimento das metrópoles e o despejo de esgoto nos rios aumentaram sua concentração na água que usamos. O fenômeno é causado tanto por hormônios naturalmente excretados pelas mulheres, quanto por substâncias presentes em plásticos, agrotóxicos e pílulas anticoncepcionais. "Todas elas têm ação estrogênica e mesmo quando não são hormônios reais, agem no corpo de forma parecida", diz Mércia Barcellos da Costa, bióloga da Universidade Federal do Espírito Santo. Segundo a pesquisadora, um desses compostos, o tributilestanho (TBT), provoca mudança de sexo de algumas espécies de animais. Ele é usado para revestir cascos de navios e evitar a incrustação por algas, mexilhões, cracas etc.
Ainda há muita controvérsia sobre os efeitos da exposição prolongada em humanos. Suspeita-se que o contato com a água com excesso de hormônios esteja antecipando a menstruação das meninas. Ela também poderia deixar os homens mais femininos e até causar câncer. Por enquanto, nenhuma dessas hipóteses foi confirmada. Estudos internacionais nas áreas de biologia e química constataram modificações anatômicas sérias em animais que vivem em regiões com água contaminada. No mundo, cetáceos como golfinhos e baleias estão contaminados e foram descritas mutações em moluscos e crustáceos.
"São modificações que podem comprometer a reprodução de uma espécie e causar até mesmo sua extinção", diz Mércia. Ela verificou o desaparecimento de populações inteiras de moluscos no litoral capixaba. Bruno Sant'Anna, biólogo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), também se deparou com alterações nos caranguejo sermitões de São Vicente, no litoral do estado de São Paulo. "Comecei a investigar e percebi que as fêmeas da espécie estavam se masculinizando. Isso acontece em 2% a 8% das populações dos ermitões", afirma. Não por acaso, as regiões mais afetadas são próximas a portos, já que os navios carregam a substância, que é considerada tóxica e se acumula nos organismos por longos períodos.
O risco nos tubos invisíveis
Entre os poluentes menos estudados estão os nanomateriais, que compõem diversos produtos da indústria. Algumas experiências mostram que compostos como os dióxidos de titânio, presentes em corantes e protetores solares, podem causar danos ao comportamento natatório e à frequência cardíaca de crustáceos, além de matar algas.
No Brasil, há estudos sobre o potencial tóxico das partículas microscópicas. O grupo de pesquisa do biólogo José Monserrat, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), comprovou recentemente que o excesso de fulereno, um composto nanométrico, é capaz de causar danos cerebrais às carpas de laboratório. Quando chega ao órgão, ele altera seu potencial antioxidante, essencial para preservar os neurônios. O composto é usado pela indústria automobilística e está em pilhas, plásticos e óculos. "Nenhum artigo mostra claramente a presença do fulereno no ambiente, mas investigações já são feitas de forma preventiva", diz Monserrat. A ideia do grupo é estabelecer limites referenciais desses compostos, para o momento em que sua presença na água atingir índices elevados.
Monserrat suspeita também de que os nanotubos de carbono tenham efeitos parecidos aos do fulereno. Esses materiais são uma tendência promissora para aperfeiçoar produtos eletrônicos, tais como chips e baterias. O uso deles deve aumentar exponencialmente nos próximos anos. O problema de estabelecer referenciais de segurança para os nanomateriais está na dificuldade de realizar pesquisas com eles. "A principal problemática é determinar a diferença entre resultados de laboratório e os reais danos ao meio ambiente", diz Monserrat. Como as partículas são muito pequenas, elas podem se juntar. Com isso, apresentariam em laboratório reações diferentes das que teriam no ambiente. Além disso, elas têm diversas configurações quando estão na natureza e podem reagir com outros compostos. Estudos dinamarqueses conseguiram demonstrar que o contato do fulereno com outros compostos também produz reações tóxicas.
Remédios que causam doenças
Assim como os hormônios, que fluem constantemente pelo corpo humano, substâncias presentes em remédios também são eliminadas pelo organismo. Pelo esgoto, elas atingem os rios. O químico Marco Locatelli, da Unicamp, está desenvolvendo uma pesquisa no rio Atibaia, que abastece entre 92% e 95% dos habitantes da cidade de Campinas, no interior paulista. O objetivo é encontrar a presença de antibióticos nas águas da região. Locatelli já detectou na bacia os oito principais antibióticos mais usados pelas pessoas, como cefalexina e amoxicilina. "A presença dos compostos é um perigo para o ambiente, pois eles favorecem a geração de bactérias mais resistentes", afirma Locatelli.
Não são somente os antibióticos que podem causar problemas. Estudos feitos em Chicago, nos Estados Unidos, encontraram outros remédios, como anti-hipertensivos, antidepressivos, anti-histamínicos e anticonvulsivos, em peixes. O mesmo ocorre em outras partes do mundo, como a França, onde algumas das substâncias já passam por tratamento. Por estar em quantidades muito pequenas, como microgramas e nanogramas, os compostos ainda não afetam os seres humanos, mas já atingem a fauna.
Em países asiáticos, a situação pede mais cuidados, devido ao alto consumo de peixes e frutos do mar. Lá, o caso do tributilestanho preocupa, pois estudos demonstram altos níveis do contaminante nos peixes e já existe até uma regulamentação. A Agência Europeia para Segurança Alimentar estabeleceu limites máximos para a presença das substâncias na comida. O bisfenol A, composto com atividade hormonal, foi banido em diversos países.
Como estudar o invisível?
Para detectar a presença de poluentes que estão no esgoto humano, os pesquisadores usam substâncias indicadoras. Uma delas é a cafeína, presente em refrigerantes, energéticos, sucos e nos fármacos. Ela é um indicador do grau de contaminação. Quando encontram cafeína, os pesquisadores sabem que provavelmente acharão outros compostos, como hormônios e antibióticos.
Mesmo com essas estratégias, a pesquisa na área não é simples. "Quem trabalha com isso tem um grau de frustração frente a respostas que não podem ser fornecidas", diz Wilson Jardim, da Unicamp. Para ele, fazer relações de causa e efeito com as substâncias é um estudo a longo prazo, pois as respostas são diferentes entre os organismos.
Para os seres humanos, é difícil estabelecer o risco de ingerir água que contém 1 micrograma de um agente contaminante. "Sabemos que as concentrações encontradas na água bruta afetam os corpos aquáticos", afirma Jardim. Seu grupo de pesquisa está analisando fungos modificados geneticamente com células humanas, para tentar descobrir se essas substâncias afetariam as pessoas. O problema é que os resultados são demorados e dependem de outras pesquisas.
"Independentemente do progresso dos estudos em humanos, qualquer impacto sobre o ambiente afeta o homem no final", diz Mércia Barcellos da Costa. Os animais contaminados podem não fazer parte da dieta humana, mas causam reflexos globais. Pela cadeia alimentar, a poluição atinge áreas como o polo Norte. Lá, os ursos polares estão tendo menos filhotes, devido aos interferentes hormonais. São os primeiros sinais de um inimigo ainda camuflado.
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