Em recente viagem a Montgomery, no Rosa Parks
Museum, encontrei com uma família de New Orleans, também evitando o confronto
com o furacão Isaac. Negros, como eu e o guia que nos atendeu. Depois da
visita, em resposta ao questionamento se tínhamos alguma pergunta a fazer, o
guia se sentiu à vontade para nos contar sobre a presença ainda muito forte do
racismo na cidade. Apesar de termos visto várias rodas de negros e brancos
conversando amigavelmente no bar e no restaurante do hotel onde nos hospedamos,
o guia nos contou que ainda há lugares pelos quais negros não andam; outros,
onde negros não entram; e muitas regiões ainda completamente segregadas. Mas o
que mais me chocou, e acompanhou durante o resto da estadia, foi a informação
de que ainda há um núcleo bastante ativo da Ku Klux Klan que, durante a
campanha presidencial de 2008, fazia questão de se vestir a caráter, lotar a
traseira de caminhonetes e assombrar os bairros negros. Paravam em frente às
casas que ostentavam símbolos da campanha do Obama, chamavam a atenção dos
moradores e arrancavam adesivos de carros, bandeiras e as placas que continham
fotos ou o número do candidato negro. Sabendo disso, e primeiro
inconscientemente, mas depois tendo exata noção do que fazia, não me senti mais
à vontade para circular pelo hotel com o livro que estava lendo, The Montgomery Bus Boycott and the
Woman Who Started It, escrito por Jo Ann Gibson Robinson, a professora
que convocou o boicote aos ônibus de Montgomery, depois da prisão de Rosa
Parks.
Dias depois, visitei o King Memorial e assisti a um
culto na Dexter Avenue King Memorial Baptist Church, a
igreja onde Martin Luther King pregava e de onde comandou o boicote, iniciando
sua luta pelos Direitos Civis. Dado interessante é que a igreja fica a menos de
100 metros do Capitólio, sede dos
estados confederados do Sul durante a Guerra Civil norte-americana. Antes do
início do culto e por pelo menos uns 10 minutos, o reverendo falou sobre
política. Sua frase inicial foi “They want our boys to run for football, but
they don’t want our boys to run for president”, deixando muito clara a
importância de todos os membros da igreja e seus conhecidos estarem registrados
para votar, e salientando que a igreja da rua Dexter estava à disposição para
tudo o que precisassem, fornecendo carro e acompanhamento até os locais de
registro e de votação, e apoio psicológico e legal em qualquer problema
enfrentado. “Any emergency, and you know what I mean; and I mean it”,
foi o que ele disse. Não citou a Klan, claro, mas era disso que estava falando,
principalmente porque depois da eleição do Obama, a organização, que nunca se
extinguiu de fato e é legal nos EUA, tem ensaiado uma revigorada em lugares
tradicionalmente racistas, como Montgomery.
A Klan nasceu como organização secreta no início da
Guerra Civil, e sua missão era restaurar a ordem, ou seja, retornar o negro
para o seu devido lugar: os campos da escravidão. Não chegou a crescer muito
nessa época, e quase foi extinta em 1871, para renascer com toda força na
década de 1920, no rastro da I Guerra Mundial, chegando a ter milhões de
adeptos. Embora enraizada nos estados do sul, a Klan foi um fenômeno nacional.
Um bom livro sobre o assunto é Hooded Americanism – The History of
Ku Klux Klan, de David M. Chalmers.
Todos os estados, mesmo os do norte, tiveram vários
núcleos da Klan, alguns mais violentos do que os outros, e todos unidos pelo
que chamavam de “klannishness”, que era basicamente viver entre os que tinham
as mesmas ideias, a mesma herança e os mesmos ideais. O estado de Nova Iorque,
por exemplo, tinha células da Klan em quase todos os condados e, na capital,
seus membros faziam paradas frequentes pela cidade, reuniões no Central Park e
nas salas de uma corte masgistrada no distrito
do Brooklyn, com seu líder sentado na cadeira do juiz, e em quartos alugados do
Chelsea Hotel, onde também eram realizados os rituais de iniciação. Uma matéria
no New York Times, de 1923, estimava em 200.000 o número de membros da Klan no
estado. Um lei estadual, a Walker Law, que passou com margem muito pequena, foi
instituída para brecar o crescimento da organização, proibindo seus membros de
usarem máscaras em público, de usarem o correio para envio de propaganda, de
exercerem cargos políticos e administrativos nos quais pudessem beneficiar a
organização, e decretando o fim do secretismo das listas de filiados. A lei
provocou protestos e violência, amplamente mostrados nos jornais locais,
juntamente com a violência, os linchamentos e os enforcamentos que promoviam em
todo o país. Calcula-se que a Klan tenha assassinado mais de 1.000 pessoas,
concentrando-se nos negros sulistas.
Os anos de 1927 e 1928 foram bastante movimentados
e problemáticos para a Klan, com confrontos em Manhattan e no Queens, durante o
desfile comemorativo do Memorial Day, em honra aos soldados mortos na Guerra
Civil. Mil e quatrocentos homens e mulheres da Klan apareceram paramentados
para desfilar, e a polícia achou que seria melhor permitir, evitando um
confronto que colocasse em risco as vidas das pessoas que foram assistir ou
desfilar. Quando perceberam que teriam a companhia da Klan, algumas
organizações, como os escoteiros, se retiraram da formação. As autoridades
tentaram, em vão, convencer a Klan a desistir, primeiro amigavelmente e depois
usando a força policial, com carros e até ônibus para bloquear o caminho dos
encapuçados, que passaram por cima de tudo, até conseguir o que queriam. Em
1928, quando a Klan sofria debandada em várias partes dos Estados Unidos, seus
principais líderes foram para Nova Iorque, promovendo uma série de comícios e
tentando eleger políticos e ocupar cargos de comando na administração pública e
na força policial do estado. Tudo isso era amplamente coberto pelos jornais, e
era impossível que qualquer pessoa, de qualquer lugar nos Estados Unidos, não
soubesse exatamente do que se tratava e quais os propósitos da Ku Klux Klan. E
é muito importante ter isso em mente quando nos lembramos que Monteiro Lobato
morou em Nova Iorque entre 1927 e 1931, como adido comercial representante do
governo brasileiro. Porque foi também nele que pensei sentada em um dos bancos
da Dexter Avenue King Memorial Baptist Church. Rodeada de negros que,
certamente, já tinham encontrado um encapuçado pela frente e buscavam forças
para, também certamente, enfrentá-los de novo na eleição presidencial do
próximo novembro. Era também em Monteiro Lobato que eu pensava porque, em meio
às demonstrações da Klan e ao bom combate exercido pelo estado e pela cidade de
Nova Iorque, ele conscientemente escolhe o lado da Klan e escreve ao amigo
Arthur Neiva, em carta enviada de Nova Iorque durante o tumultuado ano de 1928,
criticando o Brasil:
”País de mestiços onde o branco não tem força
para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. (…) Um dia se
fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o
negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca –
mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do
negro destroem (sic) a capacidade construtiva.” (Monteiro Lobato, 1928)
Lembrei-me também de Lobato porque já estava
pensando em escrever sobre mais um capítulo da história do parecer do MEC sobre
o Caçadas de Pedrinho, sobre o qual vou falar mais adiante. Antes, queria falar
um pouco sobre racismo e o processo de universalização da escola pública no
Brasil.
Afinal, do que (não) falamos quando (não) falamos
de racismo?
Para se ter uma ideia de como tudo ainda é
relativamente novo e tabu entre nós, o dicionário Houaiss nos informa que a
palavra “racismo” foi dicionarizada apenas em 1982. Uma das coisas mais
complicadas ao se falar sobre racismo, no Brasil, é conseguir que as pessoas se
desarmem, para então entenderem o que está sendo falado. A palavra em si já é
quase uma ofensa, fazendo com que grande parte dos brancos, ao ouvi-la,
sinta-se na necessidade de se defender, partindo para o negacionismo ou para a
ignorância (também no sentido de precisar “ofender” de volta), passando às
vezes pelo “ah, era só uma brincadeira”. Se a gente quer mesmo não precisar
mais falar de racismo, atitudes como essas não deveriam acontecer, porque são
parte do seu sistema de perpetuação. Desmerecer o debatedor, não falar sobre,
negar, ridicularizar ou diminuir qualquer problema nunca vai fazer com que ele
desapareça; e disso sabemos bem, pois quase 125 anos depois do fim da
escravidão, ainda estamos às voltas com um de seus maiores males. A tão sonhada
“democracia racial” ficou só no sonho, porque quase nada de concreto foi feito
para alcançá-la.
Em relação ao racismo, não se muda o pensamento e
os sentimentos de uma pessoa de um momento para o outro. É necessário também
transformar o ambiente a sua volta, para que ela não veja como natural um
comportamento ou uma situação que deveriam ser considerados desvios. Mal
comparando, é o caso do peixe que nunca saiu da água e nem se questiona se outro
estilo de vida é possível e natural a outras espécies. Afinal, naturalizou como
universal o ambiente que o cerca, e é incapaz de entendê-lo como hostil,
agressivo aos que não possuem brânquias. Pense na universidade pública
brasileira antes das cotas para negros: quantos eram os brancos, ali dentro,
entre dirigentes, professores e alunos, que se atentavam para o fato de serem
quase 100%, num país onde representam 50% da população? Pouquíssimos, ouso
dizer, porque estavam no seu ambiente natural. E para preservar esse ambiente e
todo o período em que se viveu nele, sem notá-lo, também é natural que não se
deseje contaminá-lo com a palavra racismo. Porque, ao ouvi-la, é impossível que
se deixe de fazer alguma coisa, nem que seja resolver ignorá-la. Faz-se um pacto
pela ignorância, porque assim também se ignora o privilégio, nem sempre
merecido e nem sempre consciente. Porque se tem alguém sendo prejudicado,
obviamente tem alguém sendo beneficiado, querendo ou não. Porque o racismo é
assim: enquanto prejudica negros como um todo, privilegia brancos como um todo,
queiram eles ou não, queiram eles saber disso ou não. A culpa quase nem é de
ninguém individualmente, salvo os racistas convictos e atuantes, mas cada um
que se toca que está se deixando levar pela maré, deveria ter a obrigação moral
de parar, nadar um pouquinho contra a corrente dos pensamentos naturalizados, e
tentar escutar e entender os que ficaram pra trás não por causas naturais, mas
porque uma certa bomba de sucção foi ligada, e ela só atrai aqueles com alta
concentração de melanina. Se não quer ajudá-los, não há o menor problema, pois
cada um tem os seus com os quais se preocupar, mas é cruel tentar impedir-lhes
o avanço com falsas teorias, mentiras, empiricismos, descaso, falas e dados
forjados, censuras nos meios de comunicação, compadrismo em relação a quem
defende o mesmo ponto de vista que, quase sempre, é baseado na ignorância e
propagado apostando nessa mesma ignorância por parte dos receptores de
informação. Porque são baseadas na ignorância as opiniões de que o país não
deve fazer nada para privilegiar cidadãos que, por ele, foram e continuam sendo
prejudicados. Porque é disso que o racismo se vale e é a através do qual se
perpetua: o pacto pela ignorância.
Tipos de racismo - Ninguém precisa se sentir atacado quando falamos
do racismo em livros adotados pelo Ministério da Educação, porque aqui estamos
falando de racismo institucional. Generalizando um pouco, e usando informações
do livro “I’m not a racist, but…“,
de Lawrence Blum, podemos dividir racismo em três categorias:
- Racismo Pessoal – aquele que aparece em
pensamentos, crenças, comportamentos e atitudes de indivíduos racistas.
- Racismo Social ou Sociocultural – aquele que
aparece em pensamentos, crenças, comportamentos, atitudes e estereótipos
compartilhados por um grupo de pessoas e expressos através de religião, cultura
popular, propagandas, meios de comunicação etc…
- Racismo Institucional ou Estrutural – aquele
oriundo de inferiorização, antipatia e/ou descaso perpetrados por instituições
como escolas, polícia, sistemas de saúde e judicial etc…
Lawrence Blum nos alerta que cada um dos três opera
em complexa interação com os outros: “Racismo Institucional persistente
encoraja a crença pessoal, ou a suspeita, de inferioridade racial. Racismo
pessoal reflete o racismo social já existente e o sustenta. Racismo pessoal atrapalha
ou bloqueia o ímpeto moral de mudar instituições racistas.” (pág. 9)
Racismo pode estar presente em símbolos, piadas, imagens, ditos populares,
gestos e comentários, que podem ser racistas por si só, independente do motivos
que as pessoas têm para usá-los, e mesmo se o sabem ou não (de novo, a tal da
ignorância). Alguns são conhecidos, como as piadas racistas, que quase todo
mundo conta sabendo que são racistas, para depois se espantar quando alguém se
ofende, chamando-o de super sensível ou fazendo uso do termo mais do que vazio
“politicamente correto”, ou então fazendo-se de vítima, com o famoso “Nossa! Eu
não tinha intenção de ofender”. Vejo também muitos comentários do tipo “Não sei
porque não posso usar uma camiseta com a frase 100% branco”, e o que as pessoas
não percebem é a falta de simetria nessa observação, fruto da ignorância
histórica. Historicamente, no Brasil, em se falando de escravidão, os negros, e
não os brancos, foram vítimas de opressão, ódio, inferiorização, discriminação,
preconceito etc… Então, o significado de tentar reverter um pouco o dano desse
processo histórico usando uma camiseta “100% Negro” não pode ser comparado ao
significado de se usar uma camiseta “100% branco”. É como se o “100% Negro”
quisesse seguir adiante, superar, e o “100% branco” o puxasse pra trás,
levando-o para o lugar onde ele sempre esteve, onde a opressão era 100% branca.
Porque branco não era escravo; negro sim. E aí reside o absurdo da afirmação
que Ali Kamel fez em seu livro Não somos racistas, e que já vi repetida
na grande mídia pelo menos por Demétrio Magnoli e Demóstenes Torres, a de que a
escravidão no Brasil era democrática, porque os negros também podiam ter
escravos. Ora, se é que pode haver alguma coisa de democrática em regimes
escravocratas, deveria ter sido permitido que negros também escravizassem
brancos.
Muitos brancos dizem não achar ofensivos o uso de
termos como “macaco/a” para se referir a negros, por não pensarem direito ou
por não conhecerem o legado histórico da escravidão. Usando a ciência de
encomenda como muleta moral à escravização de africanos, os eugenistas e os
religiosos chegaram escrever estudos para provar que eles não eram bem humanos,
e sim humanóides que, numa escala evolutiva, estavam infinitamente mais
próximos do macaco do que do homem ideal, o caucasiano. Chamar um negro de
macaco, e isso geralmente é feito com a intenção de ofender, porque sabe-se que
ofende, é resgatar o forte legado histórico da eugenia, com todo o peso de
gerações e gerações de negros que vêm sofrendo racismo através dos séculos.
Brancos que dizem que o chamamento não é ofensivo, e que ligam o sistema de
auto-defesa alegando que na escola, por serem muito brancos, eram chamado de
alemão azedo em bicho de goiaba, deveriam imaginar a seguinte cena e analisá-la
dentro de contextos históricos próprios: torcedores querendo ofender, por
exemplo, o jogador Roberto Carlos, jogam bananas dentro de campo, enquanto
torcedores querendo ofender o ex-goleiro Tafarel jogam goiabas. Levantando-se a
casca da banana, encontraremos tudo lá: captura, sequestro, porão de navio,
marca corporal feita a ferro em brasa, separação de parentes, trabalhos
forçados, condições sub-humanas de vida, teorias racistas de hierarquização,
castigos físicos e psicológicos, estupros, privações, humilhações, pobreza,
descaso etc etc etc… Levantando-se a casca da goiaba, podemos até encontrar
alguns bichos, mas a grande maioria de nós, pelo menos os criados no interior,
comia goiaba com bicho e tudo e nem percebia, porque não havia “legado
histórico”, ou “indigestão” referente ao que o bicho da goiaba representa no
passado da humanidade. A banana, aqui, entra na categoria dos símbolos, aqueles
que, em determinada situação, já são racistas por si só, como as cruzes em
chamas da Klan para negros norte-americanos, ou a suástica para os judeus.
Ou seja, o assunto é complexo, e é impossível que
se possa ter qualquer opinião decente informando-se apenas pelo que sai na
mídia. Principalmente em jornais e revistas que, em editoriais e colunas de
colaboradores apadrinhados (e aqui também uso o apadrinhamento já tão bem
mostrado por Roberto daMatta, em “A casa e a Rua”) no sentido meio
“klannishiniano” da palavra: viver entre os que têm as mesmas ideias, a mesma
herança e os mesmos ideais.), se colocam firmemente contra qualquer iniciativa
dos Movimentos Negros (e aqui é sempre bom que se diga que também há muitos
brancos nesses movimentos). Desconfiem sempre das intenções de quem diz frases
como “para encerrar o assunto”, ou “para acabar de vez com a polêmica”, “para
colocar um ponto final nesse imbróglio”, porque a conversa ainda nem começou,
ou não está sendo televisionada, e a gente ainda tem muito que aprender sobre a
resistência dessa doença moral na nossa sociedade. Casos pontuais como esse do
livro Caçadas de Pedrinho são interessantes porque permitem que certos
processos históricos sejam trazidos à tona dentro de um contexto atual. Nesse
caso específico, quero falar um pouco do processo de implantação e
desenvolvimento da educação pública no Brasil, e como isso é determinante para
a situação que estamos vivendo agora.
Educação pública: de brancos para brancos
Há uma lei de 1835 que proibia os escravos de
receberem educação pública. Não que isso tenha feito grande diferença, porque
senhores raramente permitiam que seus escravos estudassem, mas é importante
saber que existiu a lei, implantada pelo governo brasileiro, e foi prejudicial
a boa parte da população brasileira. Educação era então visto como privilégio
da elite branca, proibida para os negros (aliás, “negro” era usado como
sinônimo de escravos, independente de sua condição), pois poderia provocar
neles o desejo de se emancipar ou se rebelar, colocando a sociedade (branca) em
perigo. A primeira vez que se pensou em educar negros no Brasil foi durante a
discussão em torno da Lei do Ventre Livre, de 1871, com o propósito de
integrá-los à sociedade como trabalhadores livres. Marcus Vinícius Fonseca
escreve em “A educação dos negros: uma nova
face da abolição da escravidão no Brasil“ que, temendo o fim da
escravidão, os proprietários rurais achavam indispensável “a criação de um
sistema de educação voltado para o trabalho, e dento desse sistema, uma
modalidade de educação para as crianças livres de mãe escrava, objetivando que
elas se convertessem em seres úteis à ordem social estabelecida mediante a
agricultura.”(pág. 83). A lei estabelecia que as crianças nascidas de
ventre livre ficariam sob a autoridade dos donos de suas mães até os oito anos
de idade, quando então poderiam ser entregues ao Estado, mediante indenização
de 600$000, ou mantidos pelo senhores, trabalhando até a idade de 21 anos,
quando deveriam, “sempre que possível” – e isso é importante, porque foi uma
brecha na lei conseguida pelos agricultores – proporcionar-lhes instrução
elementar.
Para atender às crianças que seriam entregues ao
Estado, que também ficaria obrigado a dar-lhes instrução e um pecúlio para
quando atingissem a maioridade, através de taxas pegas pelos donos de escravos,
o Ministério da Agricultura promoveu uma série de encontros e pediu que as
províncias fornecessem listas regionais do número de crianças nascidas
anualmente, para que fosse calculada a estrutura necessária. Foram firmados
contratos com várias agrônomos, para que eles fundassem estabelecimentos que
ensinariam essas crianças a trabalharem na terra, e com instituições religiosas
que já atendiam órfãos. Paralelamente, também estava sendo estudada uma a
proposta de se criar centros de excelência educacional, para o desenvolvimento
e implantação de técnicas modernizadoras da agricultura brasileira, mas abertos
apenas para os filhos dos agricultores. Tendo como base dados coletados em
1877, em 1878 teríamos 192.000 crianças nascidas livres de mães escravas, desde
a promulgação da lei. Desse número, anualmente, 24.000 estariam em condições
que serem entregues ao Estado, mas acreditava-se que apenas a sexta parte,
4.000, o seriam. O governo, que já estava bastante preocupado em não conseguir
cuidar de todas, surpreendeu-se quando chegou o 1879 e recebeu, em todo o
Brasil, apenas 113 crianças. Subestimou-se enormemente a capacidade de os
senhores abrirem mão da escravaria, e percebeu-se que manter os filhos das
escravas, a quem deveriam dar educação, “sempre que possível” era muito mais
lucrativos para eles, que preferiam que suas escravas continuassem engravidando
para então abandonarem as crianças nas rodas dos enjeitados, não tendo que
pagar taxa de matrículas sobre elas (eram que essas taxas, de matrículas – ou
registros – de escravos, que os governo formaria o pecúlio para cuidar dos
libertados). Sem o filho, a escrava poderia ser alugada como ama-de-leite,
rendendo ao seu dono 600$000 anuais, que era exatamente o que o governo
pretendia pagar como indenização pelos ingênuos. Ao fim e ao cabo, criança
nenhuma nascida de ventre livre chegou a ver a liberdade, porque ainda não
tinham completado 21 anos quando veio a Lei Áurea.
Para quem quiser se aprofundar no assunto da
educação dos negros no Brasil, além do livro acima, indico também “População negra e educação: o perfil racial das escolas
mineiras no século XIX”.
Uma simples folheada nesses livros já deveria corar
quem, contra as cotas, diz que os movimentos negros deveriam é estar lutando
pela melhoria do ensino de nível básico. Geralmente, quem fala isso é das
classes que, na primeira oportunidade, partem para o ensino privado,
abandonando o ensino público à própria sorte e miséria, ms se achando no
direito sagrado, “meritório”, dizem eles, de se apropriarem dele, e
monopolizarem-no, quando lhes é do interesse, na universidade pública.
Raça, educação e o papel do MEC
As informações abaixo foram todas retiradas do
excelente livro Diploma of Whiteness – Race and
Social Policy in Brazil, 1917-1945, de Jerry D’Ávila.
Nesse livro dá para acompanhar como, de maneira
sutil e às vezes nem tanto, a educação pública brasileira nunca esteve voltada
para os interesses de boa parte de seu público – os alunos negros e pobres.
Logo no início, ele diz: “Os líderes da educação pública no Brasil na
primeira metade do século XX não impediam os alunos negros de frequentarem suas
escolas. Ao contrário, entre 1917 e 1945 eles se engajaram numa sucessão de
expansões do sistema escolar e projetos de reforma que buscavam colocar a
escola pública ao alcance dos brasileiros pobres e dos negros que no início do
século estavam basicamente excluídos da escola. Esses educadores buscavam
“aperfeiçoar a raça” – criar uma “raça brasileira” saudável, culturalmente
europeia, fisicamente em forma e nacionalista. (…) As elites brasileiras da
primeira metade do século XX tendiam a acreditar que os pobres e não-brancos
eram extremamente degenerados. Ao definir esse estado de degeneração em termos
médicos, científicos e sociais, eles reivindicaram para si o poder de
regenerá-lo e assumiram o controle da educação pública. Eles tratavam as
escolas como clínicas nas quais as doenças associadas à mistura das raças
brasileiras poderiam ser curadas. Suas crenças proveram motivos para a
construção de escolas e moldaram os modos de como essas escolas deveriam
funcionar e as aulas que seriam dadas.” (pág. 3) “O estilo próprio dos
pioneiros da educação no Brasil transformou o sistema público emergente em
espaços nos quais séculos de supremacia branca europeia foram reescritos nas
linguagens da ciência, do mérito e da modernidade. As escolas que eles criaram
foram desenhadas para imprimir a visão de uma elite branca de uma nação brasileira
ideal em crianças negras e pobres, que era a substância desse ideal.”(pág.5)
Ou seja, a elite brasileira já achava que éramos uma raça perdida para os
padrões de pureza europeus, e precisávamos encontrar uma maneira só nossa, o
nosso jeitinho de criar branquitude, e as escolas públicas foram os
laboratórios dessa experiência.
É bom lembrar que quando o sistema de ensino
público brasileiro foi desenvolvido, com a criação do Ministério de Saúde e
Educação, as ideias eugenistas estavam em moda por aqui, seu controle foi
entregue não a pedagogos ou educadores, mas a médicos e cientistas sociais, que
foram capazes de criar uma noção de valor social, baseada em raça mas quase sem
falar de raça, que criou uma hierarquia racial estável, efetiva e duradoura, porque
parecia se basear me valores científicos e mérito. As coisas aconteceram
simultaneamente, mas antes de falar sobre o que os alunos eram submetidos em
salas de aula, quero falar do treinamento dos professores, extremamente
importantes para que a transformação de pobres e negros em brancos fosse
realmente efetiva. Apresentada como parte de um processo de profissionalização,
a drástica mudança nos quadros de professores do ensino público favoreceu
enormemente o branqueamento da profissão.
Antes da reforma, o quadro de professores do ensino
público brasileiro era majoritariamente formado por homens negros e mulatos,
que tinham sido alfabetizados por instituições religiosas nas quais tinham sido
abandonados. Esses professores chegavam a fazer parte de uma classe média
ascendente, ocupando inclusive cargos de direção nas escolas e sendo bastante
respeitados pelos alunos. Os reformadores decidiram que eles não serviam mais,
e resolveram formar uma nova classe de professores levando em consideração
classe, raça e gênero, substituindo-os gradativamente por mulheres, brancas da
classe média. Para isso foram fundadas escolas como o Instituto de Educação, e
somente alunas que ali se formassem, e que na maioria das vezes tinham um
“pistolão, poderiam ser contratadas pelo Estado. O livro de Jerry Dávila traz
várias fotografias que mostram esse processo, ao longo dos anos. Nas palavras
do secretário de Educação Anísio Teixeira, “A escola deve dar ao nosso povo o
certificado de saúde, inteligência e caráter, que é indispensável para a vida
moderna. Tal tarefa não pode ser confiada a qualquer um, muito menos a um grupo
de homens e mulheres que é insuficientemente preparado, ao qual falta visão
intelectual e social, e que não faria mais do que bastardar o processo educacional
a um nível desmoralizante de ineficiência técnica e indulgência espiritual no
qual se encontra em muitos casos” (pág. 102) Ou seja, é claro que não
acreditavam que professores negros e mulatos fossem capazes de ensinar
branquitude.
A primeira reforma no sistema de formação de
professores foi feita pelo eugenista Afrânio Peixoto, que dirigiu o Sistema de
Instrução Pública do Rio de Janeiro, que estabeleceu o padrão a ser seguido no
restante do Brasil. Nessa e nas reformas posteriores foram colocadas várias
barreiras que impediam, sempre de maneira “científica”, a entrada de alunos/as
negros nas escolas de formação de professores. Primeiro, foram acrescentados
três anos ao currículo, separando-o da educação secundária, afastando os pobres
que precisavam começar a trabalhar mais cedo. Foi estabelecida uma bateria de
exames de admissão que envolvia critérios acadêmicos, físicos, estéticos e
psicológicos. Os alunos do Instituto eram avaliados por seus pares, colocando
em situação bem complicadas as negros que conseguiam furar os primeiros
bloqueios, pois sobre eles recaia a tão propalada e conhecida degeneração. Não
havia vagas para todos que queriam entrar e cumpriam com os critérios
estabelecidos,e que às vezes tinham estudados mais de um ano em cursos preparatórios
particulares, e pistolões eram necessários, favorecendo a população branca.
Para se ter uma ideia, dentre os exames físicos realizados, estavam os de peso
e altura, já definidos de antemão segundo padrões encontrados entre a população
branca. Tudo isso era analisado e aplicado a uma fórmula, junto com os
resultados do Alfa Scale, segundo Jerry Dávila, “um exame psicológico
desenvolvido nos Estados Unidos para testar recrutas do exército para a
Primeira Guerra Mundial, e que por anos serviu de fonte de estudos para
diferenças de habilidades ocupacionais, étnicas, raciais e geográficas nos
Estados Unidos.” Ou seja, foi forçadamente formado um time de professoras
brancas da classe média que, segundo os reformadores, todos homens, poderiam
ser melhor controladas e habilitadas para incutir nos alunos os ideais de
branquitude tão almejados pela nação.
Com esse corpo de professores, mais equipes
treinadas para o acompanhamento do desenvolvimento dos alunos, esses eram
submetidos a diversos testes, entre eles, os de inteligência, também
desenvolvidos nos EUA e destinados a separar alunos em classes diferentes,
tomando como base suas aptidões. O teste principal, Terman Group Test, foi
desenvolvido tendo como crença principal que a capacidade eugênica de algumas
crianças eram inerentemente melhores que a de outras. Em linhas gerais, isso
significava que certas crianças estavam fadadas a não aprender, mais
especificamente as já nascidas degeneradas, eram, sem qualquer outra avaliação,
colocadas em salas “mais fracas”, junto com seus pares. O departamento de
Ortofrenologia e Higiene Mental, dirigido por Arthur Ramos, avaliava a
capacidade de as crianças, principalmente as crianças problema, se adaptarem às
sociedades modernas, combinando influências que iam da psicologia freudiana à
criminologia e antropologia italianas, Lombroso incluído. Os estudos de
Lombroso, que faziam ligação entre características físicas e fenotípicas em
criminologia, também eram usados no departamento de Antropometria, coordenado
por Bastos D’Avila, que usava as fichas antropométricas dos alunos, na maioria
das vezes feitas e mantidas sem o conhecimento dos pais. Estas fichas, além de
tentaram provar a inferioridade dos alunos negros, também tinham o intuito de
servir de base, através de sistema de medidas chamado de Lapicque Index, para a
detecção de características africanas latentes em alunos considerados brancos.
Bastos D’Avila chega inclusive a sugerir a compra de alguns cefalômetros para
medir o tamanho do cérebro das crianças e confirmar a confiabilidade do Dubois
Cephalization Index, que categorizava os estudantes em normais, super-normais
ou sub-normais. O mais interessante nesses estudos de D’Avila é que quando ele
encontrava resultados que contradiziam suas crenças de hieraquia racial, quando
as crianças negras se provavam iguais ou superiores às crianças brancas,
D’Avila dava um jeito de manipular os resultados, ou justificar que as melhores
crianças brancas, aquelas mais ricas, não frequentavam escolas públicas.
Parece difícil de acreditar, mas essas foram
políticas públicas implantadas pelo governo brasileiro, através do Ministério
da Educação, e há muitos outros dados assustadores no livro de Jerry D’Avila.
Seria bom que os que cuidam das políticas educacionais de hoje em dia o
conhecessem, e soubessem o quanto disso tudo ainda pode influenciar suas
decisões. As crianças negras sempre foram desrespeitadas nas escolas públicas,
por outras crianças, por professores e funcionários, por diretores, por
secretários, ministros e presidentes. E continuam a ser, como nesse caso com o
livro Caçadas de Pedrinho, comprado e distribuído pelo Ministério para alunos
do ensino fundamental e médio, de todas as escolas do Brasil. Nesta próxima
terça-feira acontece mais um passo importante dessa história, em audiência de
conciliação convocada pelo ministro Luiz Fux, depois que o proponente da ação,
Sr. Antônio Gomes da Costa Neto (Técnico em Gestão Educacional da Secretaria do
Estado da Educação do Distrito Federal, mestrando da UnB em Educação e Políticas
Públicas: Gênero, Raça/Etnia e Juventude, na linha de pesquisa em Educação das
Relações Raciais), em conjunto com o Instituto de Advocacia IARA, resolveram
apelar para o Supremo Tribunal Federal, numa última tentativa de fazer o
Ministério da Educação cumprir a lei. Porque é a lei que o Ministério descumpre
ao distribuir livros com passagens racistas, como também viola as leis
Diretrizes da Educação, estabelecidas pelo próprio Ministério, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, o Estatuto da Igualdade Racial e, se procurarmos,
vamos achar mais. E isso, sem ter conseguido cumprir a Lei 10.639/03, que
estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura
afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino
fundamental e médio. Quem quiser entender melhor a história, deixo dois links
de textos anteriores:
O livro Caçadas de Pedrinho é um livro
paradidático, ou seja, material de apoio. Mas o Ministério da Educação também
não conseguiu lidar com o problema do racismo e da falta de representatividade
de negros e índios nos materiais didáticos. A situação é grave, como pode ser
vista em livros como Racismo em livros didáticos,
de Paulo Vinícius Baptista da Silva, Um olhar além das fronteiras,
de Nilma Lino Gomes e Racismo e anti-racismo na educação,
organizado por Eliane Cavalleiro, entre muitos outros. É de Eliane Cavalleiro
também um livro importante para se entender racismo na escola, Do Silêncio do lar ao silêncio
escolar.
Com essas leituras dá para perceber que não é
apenas a pobreza que prejudica alunos negros dentro do ambiente escolar. O
racismo está presente e é fator determinante no rendimento e evasão de alunos
negros, como mostram alguns estudos feitos com irmãos e, portanto da mesma
classe social e mesmo ambiente cultura. No caso onde há um irmão negro e um
irmão branco, esse último tem notas melhores. Ao ter que preocupar com o
racismo, ao ter que pensar em se defender de “brincadeiras” e humilhações, na
maioria das vezes não sendo apoiado por professores, o aluno negro perde o
foco, e acaba acreditando que não vai mesmo pra frente, numa profecia
auto-realizável.
É importante acompanhar a luta, para ver se o
Ministério da Educação vai ceder a pressões ou se, finalmente, vai começar a
tratar com seriedade e ajudar a reverter um processo que ele mesmo instalou,
oficialmente, deixando de lado as necessidades específicas das crianças negras,
maioria esmagadora nas escolas públicas brasileiras. Vamos acompanhar para ver
se o MEC vai se acovardar diante das necessidades de acordos políticos em anos
eleitorais e assumir suas responsabilidade na educação de cidadãos conscientes
e combativos do racismo. Além de Caçadas de Pedrinho, o MEC também
adotou, compra e distribui os seguintes livros, todos permeados de racismo e
outros ismos, fazendo-o mesmo depois que essa polêmica veio à tona:
PNBE 2011: Histórias de Tia Nastácia
PNBE 2010 (ensino fundamental): Reinações de
Narizinho
PNBE 2009 (ensino médio): Negrinha
PNBE 2009 (ensino fundamental): Memórias de
Emília, O picapau amarelo, Viagem ao Céu
Há uma grande defesa de Monteiro Lobato, tido como
patrono da literatura infantil brasileira. Mas é necessário, nesse caso,
entender também o homem e suas lutas, e os motivos pelos quais seu racismo tão
flagrante, chegando a ponto de desejar uma Ku Klux Klan brasileira, nunca foi
tratado nem por seus principais biógrafos, que até hoje negam que ele tenha
sido racista. Lobato não era quem fizeram que era, e sua declaração de usar a
literatura para fazer eugenia nunca deve ser esquecida. Ele disse que esses
processos indiretos, ou seja, de difundir ideias em colocações aqui e ali, para
que não dê muito na cara, funciona muito melhor. Ele fez isso com a questão do
petróleo, por exemplo, o que o trona um grande nacionalista, aquele que queria
defender os interesses do povo brasileiro frente a um governo que queria ceder
nossos campos petrolíferos para empresas norte-americanas. Cartas encontradas
recentemente provam que, na verdade, ele queria era beneficiar sua própria
empresa, fechando ele contratos com uma empresa alemã. Seu correspondente era
um engenheiro de petróleo suíço chamado Charles Frankie, e trechos dessas
cartas depois foram usados em sua literatura infantil tratando do assunto. Ou
seja: Lobato faz o que diz que vai fazer, usar a literatura para propagar seus
ideias e defender seus pontos de vista. Essas cartas deram origem à tese “Ao
amigo Franckie, do seu Lobato : estudo da correspondência entre Monteiro Lobato
e Charles Franckie (1934-37) e sua presença em O Escândalo do Petróleo (1936) e
O Poço do Visconde (1937)”, que pode ser baixada daqui,
onde você também vai encontrá-las na íntegra, junto com um quadro do que entrou
em cada livro. É triste ver a literatura se prestando a esse papel, mas, mais
triste ainda ver tanta gente que não consegue percebê-lo.
Uma luta de todos nós – O sr. Antônio Gomes da Costa
Neto é branco, assim como muitos outros brasileiros brancos que já
compreenderam que são extremamente bem-vindos e necessários aos Movimentos
Negros. Que as conquistas dos Movimentos Negros nos fará um país melhor como um
todo, pois não atingem apenas parte da população que, diga-se de passagem, hoje
já é maioria. O sr. Antônio não faz parte daqueles brasileiros brancos que se
referem aos Movimentos Negros com um “eles” – contradizendo a ladainha de que
não veem cor alguma – bem distinto e contrários aos próprios interesses, que
apresentam como se fossem os interesses da nação e do povo brasileiro (as cotas
para negros, por exemplo, são aprovadas por 63% dos brasileiros), defendendo,
às vezes até quem notar, a manutenção normatizada e inquestionável de
privilégios adquiridos ao longo de séculos de exclusão, marginalização e
invisibilidade da população negra. E é para todos nós, que queremos um país
livre de racismo, a começar pelos bancos escolares, que deixo um trecho do
poema “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto:
Um galo
sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
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