Jean Marc von der Weid*
A
segunda conferência internacional sobre o meio ambiente e o
desenvolvimento, mais conhecida como Rio+20 deverá tratar de 27 eixos
considerados fundamentais para que o mundo possa enfrentar os desafios
de promover um desenvolvimento sustentável sem destruir o meio ambiente
ou esgotar os recursos naturais renováveis. Destes eixos, onze tem
relação com a agricultura: segurança alimentar, agricultura e
desenvolvimento rural, mudança climática, água, energia, oceanos e zonas
costeiras, biodiversidade, florestas, desertificação, pesca e
aqüicultura e erradicação da pobreza. O documento base da conferência,
produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP)
faz uma análise bastante limitada sobre estas correlações e não dá à
agricultura o lugar central que deveria ocupar no debate, além de
abster-se de constatar os problemas provocados pelo modelo de
desenvolvimento agrícola dominante no mundo, conhecido como agricultura
industrial.
A
agricultura, entendida no sentido amplo adotado pela FAO, inclui os
cultivos temporários ou perenes, a pecuária, a pesca/aqüicultura e a
exploração florestal. A correlação da agricultura com os dois primeiro
eixos citados acima carece de demonstração mas é preciso lembrar que a
agricultura é o maior fator de perda de biodiversidade, de destruição
florestal e de desertificação em todo o mundo. Ela também é o maior
consumidor de água potável (70%) além de ser o principal agente de
contaminação de rios, lagos e aqüíferos. A contaminação química
provocada pelo uso de adubos químicos e agrotóxicos também é um fator
importante na destruição do meio ambiente nas zonas costeiras, em
particular na foz dos rios onde cria imensas áreas chamadas de desertos
marinhos afetando também a pesca. A agricultura tem forte relação com a
questão da produção de combustíveis (álcool e biodiesel em tempos mais
recentes e carvão e lenha desde muito tempo). Do ponto de vista das
mudanças climáticas a agricultura é responsável por 18% das emissões de
gases de efeito estufa (GEE), mais do que a queima de combustíveis nos
transportes. Se combinarmos este efeito direto com as emissões
provocadas pelo desflorestamento (em grande parte provocado pela
expansão das áreas agrícolas) e outras emissões ocorridas em outras
etapas da cadeia alimentar, chegamos acerca de 50% de emissões de GEE.
Finalmente, é preciso lembrar que a agricultura concentra a maior parte
da população em extrema pobreza no mundo e que não existe modelo de
desenvolvimento urbano nos tempos modernos capaz de absorver este
contingente.
Outros
temas da conferência têm relação indireta com a agricultura. A questão
da saúde, por exemplo, tem a ver com o modelo alimentar derivado da
agricultura industrial e que tem provocado verdadeiras pandemias de
obesidade, diabetes e problemas cardíacos, além do envenenamento por
agrotóxicos e dos efeitos deletérios provocados pelo consumo de
hormônios e antibióticos amplamente empregados na moderna criação
animal.
A
agricultura industrial tem outros efeitos negativos sobre os recursos
naturais renováveis como os solos. Desde a segunda guerra mundial
aproximadamente 2 bilhões de hectares de solos potencialmente
agricultáveis no mundo já foram degradados, mais de 22% de toda a área
disponível para cultivos, pastagens e florestas. A degradação química
dos solos devido às praticas agrícolas é responsável por 40% das perdas
nas áreas cultivadas.
Este
modelo agrícola tem outro calcanhar de Aquiles, a sua dependência de
recursos naturais não renováveis como petróleo, gás, fosfatos e
potássio. A exaustão das reservas mundiais de petróleo já se faz sentir
nos custos crescentes deste combustível. As reservas de gás têm previsão
de alcançar seu pico de produção em 2025. As de fósforo já passaram por
este pico e as de potássio devem alcançá-lo em mais 20 anos. Os custos
de produção no modelo da agricultura industrial, alem das perdas das
áreas cultiváveis, deverão trazer de volta o fantasma da fome endêmica
em escala não vista desde o início do século vinte. Na atualidade, o
mundo produz comida suficiente para alimentar os mais de 7 bilhões de
habitantes do planeta e a existência de mais de um bilhão de famintos se
deve a problemas de pobreza e não de disponibilidade, mas no futuro
próximo haverá carência absoluta de alimentos se o presente modelo
produtivo não for radicalmente alterado.
Frente
a este quadro de crise profunda que pode levar a terríveis problemas
sociais e instabilidade política em muitos países um grupo de entidades
da sociedade civil elaborou uma proposta para a Rio+20 intitulada “Tempo
de Agir”. O documento disponível no site
http://aspta.org.br/category/documentos/) aponta para um novo modelo de
agricultura baseado na produção familiar empregando as práticas da
agroecologia.
A
agroecologia é definida como o manejo integrado dos recursos naturais
(solo, água e biodiversidade) sem uso de insumos externos industriais.
Este tipo de sistema de produção busca imitar os ecossistemas naturais
de tal forma que eles se caracterizam por um ato grau de diversidade.
São policulturas integradas com criações animais e com a vegetação
natural. Este grau de diversidade permite que operem uma série de
interações positivas entre os vários componentes do sistema e resulta em
produtividades totais mais elevadas do que em qualquer monocultivo no
sistema agroindustrial.
A
agroecologia é econômica no uso de água e de energia e, além de não
emitir GEEs, promove uma forte absorção de carbono. O sistema não tem
efeitos contaminantes para águas, solos, produtores e consumidores e
promove uma dieta saudável. Os críticos mal informados sobre estes
sistemas dizem que suas produtividades são baixas e que adotar a
agroecologia obrigaria a aumentar a área cultivada e, portanto, aumentar
o desmatamento. Pesquisas da FAO, da Univesidade de Essex e da Academia
de Ciências dos estados Unidos, para citar apenas alguns estudos,
indicam que os sistemas agroecológicos têm índices de produtividade
comparáveis aos convencionais e que os preços superiores cobrados pelos
produtos vendidos como orgânicos não se devem a custos de produção
superiores ou produtividades inferiores, mas a uma relação de oferta e
demanda do mercado e aos custos de comercialização dos orgânicos. Ambas
as questões podem ser resolvidas como o aumento da produção
agroecológica (orgânica), garantindo uma oferta de produtos de qualidade
a preços mais baixos.
A
questão mais importante a ser notada na produção agroecológica é a sua
demanda de conhecimentos técnicos e de mão de obra. Diz-se que a
agroecologia é “knowledge intensive” enquanto a agricultura industrial é “input intensive”.
A questão do conhecimento na agroecologia deriva do fato da sua busca
de grande diversificação na estratégia de mimetizar os sistemas
naturais. Isto implica na necessidade de se procurar um desenho
produtivo específico para cada propriedade e isto não se faz sem métodos
de pesquisa que integrem o agricultor como experimentador. A questão da
mão de obra não é apenas relativa às limitações de uma mecanização dos
sistemas produtivos quando os mesmos são muito diversificados, mas à
exigência de cuidados e informação que limita a eficiência do trabalho
assalariado. Tudo isto resulta no fato de que a agroecologia opera em
condições ideais em sistemas produtivos da agricultura familiar de
pequena escala.
Para
países como os Estados Unidos onde o emprego agrícola é inferior a 4%
do emprego total e que tem menos de dois milhões de agricultores
familiares adotar a agroecologia seria (será) dramático, pois
necessitarão de gerar uma nova classe de camponeses quando o conjunto
das crises acima referidas destruir a sua agricultura convencional. No
Brasil, apesar dos descaminhos de uma reforma agrária sempre feita à
“meia boca” ainda temos perto de 4,5 milhões de agricultores familiares e
potencial para mais 10 milhões capazes de adotar a agroecologia como
forma de produção. Isto poderá acontecer de forma dramática pela mera
força das crises que assolam a humanidade ou de forma controlada e suave
se as necessárias políticas públicas forem adotadas. Dado o gravíssimo
problema de pobreza mundial e nacional o fato de que os sistemas
agroecológicos sejam demandadores de mão de obra não é um problema mas
uma solução pois vão permitir que um enorme contingente de excluídos
venha a integrar-se na sociedade de forma produtiva e não assistencial.
Dada
a total falta de compromisso dos governos da maior parte do mundo com
as exigências de mudanças drásticas na forma como o mundo produz,
consome e se relaciona com a natureza, não podemos esperar muito da
Rio+20 mas o que os signatários do manifesto “Time to Act” pretendem é despertar a opinião pública e continuar um embate nos planos internacional e nacionais após a conferencia.