Do Contas Abertas
A
36ª edição do “Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos”,
realizado pela Controladoria-Geral da União (CGU), apontou ao menos 2,8
mil irregularidades no Programa Bolsa Família. Ao todo, os 24
municípios fiscalizados pela CGU apresentaram pelo menos uma
irregularidade em relação ao programa. O principal problema verificado é
de beneficiários com renda per capita superior à estabelecida na
legislação do programa.
Para
Vicente Faleiros, assistente social e doutor em sociologia da
Universidade de Brasília, detectar as falhas do programa é um importante
passo para a diminuição da corrupção. “O sistema está permitindo
detectar as irregularidades e isso é fantástico. Com os dados é possível
estudar as fraudes, detectar os infratores e punir. O Brasil tem um
alto índice de corrupção em razão da impunidade. Como o controle em
nível federal é descentralizado, há prefeituras sem fiscalização e isso
facilita a inclusão no programa de pessoas fora do perfil”, afirma.
Em
Arraial do Cabo (RJ), por exemplo, cidade com 27,7 mil habitantes e PIB
per capita de R$ 12,3 mil, foram identificados 397 beneficiários com a
média de rendimentos acima do limite permitido. Após a constatação da
CGU, a prefeitura do município informou que bloqueou o benefício das
pessoas apontadas e solicitou o comparecimento das mesmas na Secretaria
de Assistência Social, para formalização dos pedidos de cancelamento.
Durante
as fiscalizações, também foram encontrados vários funcionários públicos
que recebiam o Bolsa Família. Em Santana (PE), cidade com 101,2 mil
habitantes e PIB per capita de R$ 9,9 mil, das 319 famílias que recebem o
benefício e possuem renda per capita superior à estabelecida no
programa, foram encontrados 99 casos de favorecidos empregados na esfera
municipal. Destes, 62 estão relacionados à própria Prefeitura Municipal
de Santana. A Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania
(Semasc) do município, disse que “a gestão municipal do programa
estabeleceu um Cronograma de Ações que verificará, caso a caso, as
famílias relacionadas pela equipe de fiscalização da CGU”.
Em
grande parte dos municípios foram encontradas também irregularidades
referentes nos estudantes pertencentes às famílias que recebem o
benefício. Entre os problemas estão as divergências entre as frequências
registradas com as informações prestadas pelas escolas, alunos
beneficiários não localizados nos centros de ensino cadastrados e
estudantes com frequência escolar inferior à estipulada pelo programa.
No
município de Sobral (CE), que conta com 188 mil habitantes e PIB per
capita de R$ 9,4 mil, 43 alunos beneficiários do programa que constavam
nos registros como estudantes com presença integral, não se encontram
mais nas escolas relatadas nos dados do Bolsa Família. A prefeitura
informou que as frequências foram registradas de forma integral para que
os alunos não fossem prejudicados. “Vimos que estes beneficiários
estavam matriculados e frequentando outras escolas. Porém, se o
colocássemos como “não localizado”, eles seriam prejudicados”. A CGU
concluiu, entretanto, que a atualização do código de identificação da
escola é fundamental para o acompanhamento da frequência.
Na
cidade Pontal do Paraná (PR), com 20,9 mil habitantes e PIB per capita
de R$ 10,5 mil, foi encontrada outra falha do programa. No município,
foram feitos 242 pagamentos a famílias com dados cadastrais
desatualizados por mais de dois anos. A Prefeitura Municipal de Pontal
do Paraná informou que estão sendo realizadas visitas domiciliares e
mobilizações para atualizar os respectivos cadastros e fazer os
bloqueios.
Nos
municípios pernambucanos de Condado e Itacuruba foi constatada a
retenção de cartões de beneficiários em estabelecimentos comerciais. Em
Itacuruba, cidade com 4,3 mil habitantes e PIB per Capita de R$ 4,8 mil,
a CGU descobriu que duas beneficiárias deixavam os cartões em mercados
do município. A Controladoria recebeu denúncia de que os proprietários
do supermercado “Tende Tudo” de Itacuruba ficavam de posse de vários
cartões do Programa Bolsa Família, com as senhas em anexo. O cartão de
uma das mulheres foi encontrado no supermercado. A prefeitura explicou
que foram disponibilizados ofícios circulares, informando aos
comerciantes citados e aos demais que os cartões do Programa Bolsa
Família “são de uso pessoal e intransferível conforme documentos
comprobatórios anexos”.
De
acordo com a CGU, a partir do recebimento dos relatórios, cabe a cada
ministério tomar as medidas corretivas e punitivas em sua área, bem como
à Polícia Federal a instauração de inquéritos policiais sempre que
houver indícios de crime ou de esquemas organizados envolvendo empresas e
prefeituras diversas, como tem ocorrido frequentemente. À
Advocacia-Geral da União caberá o ajuizamento das ações judiciais para
ressarcimento de eventuais prejuízos.
Segundo
Vicente Faleiros, a cultura republicana institucional precisa ser mais
difundida no Brasil. “Quanto mais institucionalizado e menos
burocrático, menos corrupção um país tem. A gestão pública precisa ter
mais accountability (prestação de contas), mais responsabilidade com o
dinheiro público”, conclui.
Criado
em 2003, o programa de fiscalização da CGU tem o objetivo de analisar a
aplicação dos recursos federais nos municípios selecionados. Segundo a
Controladoria, o programa já chegou a 1.965 cidades (35% dos municípios
brasileiros), fiscalizando recursos totais da ordem de R$ 18,4 bilhões.
No último relatório, divulgado no dia 18, o total de verba pública
fiscalizada foi superior a R$ 496 milhões.
O
Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que
beneficia famílias em situação de pobreza (renda familiar per capita de
R$ 70,01 a R$ 140,00) e de extrema pobreza (renda familiar per capita de
até R$ 70,00). Em 2012, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), a transferência direta de renda alcançou 13,9
milhões de famílias.
Confira aqui todos os relatórios da CGU
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