Publicidade Afirmativa
Luis Henrique Nascimento (luis@observatoriodefavelas.org.br)
Publicidade Afirmativa é aquela que não visa o lucro ou a promoção de uma marca com fins estritamente comerciais. Mais do que isso, promove valores de sociabilidade, a cultura e o empreendedorismo comunitário e socioambiental. Para isso, adapta – ou subverte – a linguagem, as ferramentas e a organização do trabalho da publicidade convencional. Para além das discutíveis diferenças entre publicidade (divulgação visando consumo e lucro) e propaganda (propagar ideias), a chamada publicidade afirmativa não é um conceito novo, mas apenas revisitado e, de certa forma, conecta-se a outros, como o do marketing social – a adaptação ética de algumas ferramentas do marketing convencional visando a mudança positiva de comportamentos individuais e coletivos.
Portanto, a publicidade afirmativa, assim como a convencional, só tem desempenho estratégico quando, mais do que operar estritamente a partir do mito da criatividade, sedução e excelência estética, ancora-se na capacidade de entender um desafio, seu contexto, objetivos em relação a ele, quem são os públicos de interesse e os recursos necessários e disponíveis para vencê-lo.
Não se trata de uma novidade porque em diversas épocas e contextos a linguagem publicitária tem sido usada, tanto no estrito senso do primeiro parágrafo deste texto como em outros, para promover causas socioambientais de inúmeras procedências e pertinências. Entretanto, a diferença – e a necessidade – de se “rotular” uma intenção e ação publicitária como Publicidade Afirmativa remonta a um determinado espectro de desafios e objetivos contemporâneos.
A Linguagem Afirmativa numa cidade centrada na dignidade humana e no direito à Diferença.
A linguagem publicitária que propomos trabalhar não existe para si. Ela se insere num processo de disputa de constituição de um sujeito social específico e de um projeto de cidade real e concreta. A vida nessa polis é reconhecida a partir do direito fundamental do cidadão à diferença, à autenticidade. O reconhecimento desse direito a viver a partir de suas referências existenciais é o ponto de partida para outro direito central, que se entrelaça com o anterior: o reconhecimento da igualdade no plano da dignidade humana.
Os parâmetros que definem essa dignidade do ser são históricos e territorializados; nesse caso, são objetos de disputa entre os diversos grupos de opinião e de interesses que vivem no mundo social. A Publicidade Afirmativa contribui para a difusão de um determinado ideal de sujeito e de cidade, difundindo valores, auxiliando no questionamento de pressupostos e práticas que ferem a dignidade humana e o direito individual.
A publicidade como Ação Afirmativa
A ideia de publicidade afirmativa remete ao conceito de Ação Afirmativa. Esta reconhece que em um determinado campo há desigualdades históricas, acentuadas e consolidadas como se fossem naturais – por exemplo, a ausência de negros e pobres nas universidades – e propõe medidas temporárias para corrigir a distorção. Os objetivos são, por um lado, garantir a igualdade de oportunidades e universalizar direitos. Por outro, compensar as perdas causadas por um longo processo de marginalização e discriminação oriundos, quase sempre, de preconceito racial, étnico, religioso, religioso, de gênero ou orientação sexual.
A Publicidade Afirmativa, portanto, caminha na mesma direção. Em vez de um convite ao consumo e à ostentação, a Publicidade Afirmativa apela à vida, ao desejo, no intuito de produzir relações e ações transformadoras, criadoras de um outro mundo, baseado em princípios éticos, estéticos e políticos capazes de fortalecer noções como responsabilidade, criatividade, inovação, radicalização democrática, participação, colaboração e transformação social, econômica e cultural.
Mudança da representação da periferia como novo paradigma para a cidade integrada
Frequentemente, numa perspectiva elitista, as favelas e seus moradores são representados nas mídias através da pobreza, carência, violência e ignorância. Por outro lado, em visões “progressistas”, essas pessoas e seus territórios são representados de forma romântica, associando-os ao samba, a hospitalidade, a malandragem cotidiana para sobreviver ou como vítimas passivas de uma estrutura social injusta.
É a partir dessas representações, que não dão conta das diversidades desses sujeitos, mas que se descolaram deles e passam a ser aceitas como verdadeiras, que em geral as intervenções públicas, privadas e acadêmicas são realizadas. Com isso, essas intervenções são frequetemente precárias, emergenciais, paternalistas e espetacularizantes. Mais, tratam esse sujeito com exotismo, como o outro, apartando-o da cidade e seus direitos.
Portanto, elaborar representações republicanas sobre a favela e a partir do próprio olhar do favelado – e torná-la capaz de desafiar as representações dominantes – é uma das principais chaves para um futuro próspero de oportunidades e direitos para todos os cidadãos e nossas futuras gerações.
Direito a autonomia e à fruição na cidade e na vida
A publicidade que vende uma determinada marca de tênis, de carro, de celular já não se preocupa em convencer o consumidor de que o produto é bom. Ela se preocupa mais em produzir determinada emoção, que transforma o consumidor em fã e o produto num objeto de desejo amoroso – e, quase sempre, obscuro. A Publicidade Afirmativa parte dessa ideia para criar suas próprias redes de sensualidade e afetividade. No entanto, a diferença aqui é que esse viés de publidade expõe à luz os mecanismos que geram as sensações que nos fazem desejar um determinado produto.
É preciso garantir, antes de mais nada, esse direito à fruição dos objetos que nos fazem felizes. E, ao mesmo tempo, entender porque fazem nos sentir bem e questionar esse sentimento, a fim de produzir outros sentimentos, que possam problematizar, mas também intensificar, a fruição. Na verdade, na medida em que penetramos nesses mecanismos, as escolhas por determinadas “marcas” ou “produtos” se sofistica a ponto de nós mesmos inventarmos as razões afetivas que nos ligam a elas. Já não somos apenas consumidores escravizados pela propaganda, mas cidadãos interessados nas emoções das quais podemos nos apropriar para incrementar a vida.
É a partir daí que a Publicidade Afirmativa cria suas campanhas e suas causas. A partir do entendimento que as emoções nos ligam a todos num mesmo propósito. Tornar esse propósito transformador é que é o desafio.
A publicidade do consumo sustentável e do direito do consumidor
A publicidade afirmativa também pretende promover o consumo sustentável, confrontando-se e propondo alternativas àquela que relaciona a identidade e a existência ao consumo, independente da relevância efetiva do que se compra e dos seus impactos sociais e ambientais.
Da mesma forma, esta é a publicidade do cidadão-consumidor, a que propaga informação, direitos e controle social a partir da crítica, mas também da promoção das melhores práticas de venda, compra, uso e reaproveitamento do que se consome.
Agora por nós mesmos
Um dos maiores compromissos da publicidade afirmativa é com a construção da autonomia dos sujeitos, em especial das favelas e seus moradores. Frequentemente, mesmo as iniciativas que visam a potencialização da favela, partem muitas vezes do pressuposto de que ela não tem capacidade de fruição empreendedora sem uma governança externa. Por isso, essa linguagem quer dar voz a empreendedores e produtores culturais locais, disputando sua própria representação e os modos de sua inserção nos mercados e na vida, a partir de estratégias não competitivas, colaborativas e emancipadoras.
Participe, compartilhe, questione
Enfim, estamos falando do uso de uma linguagem, ferramentas e organização de trabalho que, ressignificados, objetivam juntos com outros recursos disputar a subjetividade dos cidadãos, redefinindo também seus conhecimentos, atitudes e práticas no convívio coletivo, no consumo e nas esferas políticas e culturais.
É a publicidade da crítica, mas sobretudo é também a publicidade da proclamação do direito uma vida digna não apenas através do consumo e da transferência de identidade, mas do afeto, da prosperidade e desenvolvimento sustentável, da fraternidade, do convívio e da autonomia na construção de nossas subjetividades.
Nosso convite é que este conceito seja compartilhado, debatido e questionado, com a esperança de que ele possa influenciar estudantes, profissionais, acadêmicos da área, bem como muitos outros atores sociais.
Fonte: http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1167
Comunicação Alternativa
Taís de Amorim (tais@observatoriodefavelas.org.br)
Expandindo-se dos movimentos sociais e dos sindicatos, onde se concentravam até a década de 80, os veículos de comunicação alternativa ganharam de forma definitiva, nas décadas seguintes, as favelas e periferias urbanas, se consagrando como instrumentos de produção e difusão de mensagens e informações mais intimamente conectadas com a realidade destas comunidades.
Nas favelas cariocas, os veículos de comunicação popular funcionam como porta-vozes de abusos cometidos no interior das comunidades. Foto: Imagens do Povo
Hoje, além das TVs, rádios e impressos comunitários, a grande quantidade de blogs, sites, web-rádios, web-TVs e redes sociais criados por habitantes destes territórios ou voltados para eles, têm comprovado tanto a expansão dos veículos para as comunidades populares, quanto a necessidade de seus moradores por uma comunicação mais identificada com o seu cotidiano. O portal FaveladaRocinha.com, criado em 2008, é um exemplo de iniciativa que caminha nesse sentido. “Englobamos tudo que envolva a Rocinha. Mostramos desde os personagens da comunidade até problemas de saneamento básico. Hoje até grande mídia também acaba usufruindo das informações diferenciadas, mais precisas e mais ricas, produzidas por veículos de comunicação comunitária como o FaveladaRocinha”, diz Leandro Lima, editor chefe do site.
Mas nem sempre foi assim. Nas favelas cariocas, sobretudo aquelas mais distantes da Zona Sul, os veículos de comunicação popular passaram a funcionar historicamente como porta-vozes contra abusos cometidos pelo poder público no interior das comunidades, onde até então repórteres e cinegrafistas da chamada grande mídia -- com raríssimas exceções -- só entravam acompanhados pela polícia.
Mantendo um site colaborativo alimentado por repórteres populares e atuando na formação de comunicadores multimídia, o Portal Viva Favela vai para o seu 11º ano. O projeto teve correspondentes que testemunharam uma das fases mais intensas deste processo em que os veículos alternativos, ao lado das organizações e militantes dos direitos humanos, semanalmente -- e às vezes quase diariamente --, tinham de denunciar violações características das chamadas operações policiais. De acordo com Mayra Jucá, coordenadora do projeto uma das coberturas mais importantes da história do Viva Favela ocorreu em 2005, quando correspondentes começaram a denunciar o modo como o blindado do Batalhão de Operações especiais da PM, o “Caveirão”, entrava nas comunidades.
“A chamada ‘grande imprensa’, ou seja, os jornais que circulam entre a classe média e cuja repercussão interfere nas esferas de poder, ainda não havia citado isso, e a partir da cobertura começou-se a denunciar os abusos, a maneira como o blindado desrespeitava os moradores das favelas”, conta Jucá.
A editora deixa claro que, de outro lado, nestes quase 11 anos de história do Viva Favela, muitas foram as matérias que nada tiveram a ver com questões relacionadas a violência. “Mostramos personagens históricos de muitas comunidades, divulgamos inúmeros artistas, abordamos a criatividade de empreendedores e revelamos curiosidades. Recentemente, um correspondente criticou o programa Água Para Todos no Andaraí e obteve resposta da Cedae com promessa de enviar uma equipe ao local. Outra recente: através de um vídeo, revelamos o talento do cantor, compositor e dançarino João Black, do Parque Arará, que está fazendo mais shows, vendendo mais DVDs e já participou de eventos fora da comunidade e até programas de televisão”.
Movendo-se na precariedade
No entanto, as dificuldades encontradas por coletivos como o FaveladaRocinha e o Viva Favela são muitas e, quase sempre as mesmas. A falta de apoios de todas as ordens para o desenvolvimento dos projetos é uma constante. Em recente levantamento feito pelo Observatório de Favelas (e ainda não divulgado) sobre veículos de comunicação alternativa presentes em favelas e espaços populares, verificou-se que, por exemplo, somente 26% de todos os profissionais envolvidos nestas iniciativas são remunerados. O mesmo levantamento aponta, com relação a apoios estatais, privados ou de organismos internacionais, que 66% dos veículos jamais contaram com qualquer destes.
Quando não há nenhuma espécie de financiamento é comum que as equipes trabalhem com equipamentos e instalações emprestados e em más condições. Leandro, do FaveladaRocinha.com, conta que já pediu emprestado até o local para reuniões de pauta.
Mayra Jucá, do Viva Favela, afirma que as principais dificuldades vividas pelo projeto são bem parecidas com as de outros projetos que envolvem comunicação alternativa. “Financiamento, conquistar recursos numa base contínua que garanta também a continuidade das ações e investimentos no desenvolvimento tecnológico e na qualificação da equipe. Isso dá muito trabalho e consome muita energia. O cotidiano envolve desafios diversos, desde aqueles comuns aos sites, como as variações da banda larga que ainda é precária no Brasil, quando queremos investir em atividades online com os correspondentes; até os mais concretos, como a falta de espaços adequados para as oficinas, quando queremos realizar uma formação numa comunidade com menos estrutura”, lamenta.
Enquanto isso não há uma só política de apoio a mídia alternativa. Se de um lado, a comunicação é reconhecida, cada vez mais como direito, de outro, o desenvolvimento de mecanismos que o garantam continua tímido em nosso país.
Fonte: http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1170
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