Postado por Paulo Rogério em 4 janeiro 2011 às 11:00
A edição de 13 dezembro de 2010 da Revista Época trouxe como manchete uma análise sobre os 100 mais influentes brasileiros do ano. Com cinco opções de capa, a revista dá ao leitor a opção de comprar a versão com a presidente Dilma Rousseff; a do cineasta José Padilha, diretor dos filmes Tropa de Elite 1 e 2; com o empresário Eike Batista, considerado a 8ª pessoa mais rica do mundo e finalmente a capa com o jogador santista Neymar Júnior. Mas, o que de fato chama a atenção não é o recurso publicitário acima mencionado, e sim o fato de que praticamente não há negros nessa edição especial.
Com exceção da ex-ministra Marina Silva, fenômeno das últimas eleições presidenciais, e do jogador Neymar, que ocupa a tradicional parcela de negros no campo das celebridades futebolística, todos os outros 98 escolhidos pela equipe da revista são brancos. Como disse certa vez, em entrevista, o ator negro Milton Gonçalves, “nós não estamos na fotografia do poder”.
Pela lógica da revista , a população negra brasileira deve, portanto, contentar-se em ler histórias de sucesso de seus patrícios não-negros e ícones do Brasil que “deu certo”, como a de Eduardo Saverin, bilionário, co-fundador do Facebook, de apenas 28 anos; David Neeleman, que colocou a companhia Azul em terceiro lugar no mercado de aviação brasileiro; de Alexandre Behring, que
comprou ações da empresa americana Burger King - reforçando a nova imagem do capitalismo brasileiro no mercado Global - além de tantos outros “euro-ascendentes” que contribuíram para o desenvolvimento do Brasil em 2010. Até na música, tradicional reduto negro na mídia, sobrou para Margareth Menezes e Carlinhos Brown apenas fazerem comentários elogiosos sobre Ivete Sangalo e a roqueira Pitty, respectivamente.
Como se vê, se tomarmos apenas essa reportagem como referencial, conclui-se que o Brasil termina a última década de século XX como se estivesse ainda no século XIX: sem negros nos espaços de poder, apesar da retórica conservadora de que somos uma democracia racial.
O mais curioso é que, ao que parece, de fato, não houve “grandes erros” de apuração dos jornalistas de Época, pois, de fato, nossa influência objetiva nas decisões políticas e econômicas do Brasil é quase nula. Quer uma prova, é só olhar para o ministério da nova presidente Dilma Rousseff.
Entretanto, há graves omissões que precisam ser ditas na reportagem, como a do cineasta Jefferson De, ganhador do 38º Festival de Cinema de Gramado com o filme Bróder, ou a professora Nilma Lino Gomes, conselheira nacional de educação e que deu um parecer contrário a publicação do livro Caçadas de Pedrinho do escritor Monteiro Lobato, acusado de racista, gerando um grande debate nacional sobre o racismo no ambiente escolar.
Ou seja, uma melhor apuração jornalística dentro da comunidade negra certamente podem apresentar outros nomes negros de destaque em matérias como essa. Apesar disso, de fato, a reportagem em questão é, literalmente, a fotografia da desigualdade racial brasileira nos campos da política, mídia e economia; Senão, vejamos.
Segundo o pesquisador Reinaldo Bulgarelli, que atuou na recente pesquisa do Instituto Ethos de Responsabilidade Social denominada "Perfil Social, Racial e de Gênero nas 500 maiores empresas do Brasil", se continuarmos nesse ritmo de inclusão social, na melhor das hipóteses, demoraremos 150 anos para que homens negros atinjam a mesma posição dos brancos no mercado corporativo. No caso das mulheres negras, essas demorariam muito mais - a pesquisa revelou que hoje elas são apenas 0,5% do topo da pirâmide empresarial do país.
Se os números da desigualdade assustam, não há conforto ao olharmos para ações de combate a discriminação racial nas empresas: 72% das companhias entrevistadas não adotam nenhum tipo de ação afirmativa, seja na contratação de funcionários ou nos planos de carreira.
Na África do Sul, símbolo do racismo mundial, uma das principais políticas do pós-aparthied foi a criação do programa Black Economic Empowerment (Empoderamento Econômico dos Negros), que, dentre outras coisas, dá vantagens em licitações públicas para empresas de propriedade ou gerenciadas por negros - o que no caso sulafricano inclui pretos, coloured (pardos) e indianos. Apesar das críticas, o programa tem criado, dentro dos limites do capitalismo, uma classe média negra minimamente capaz de influenciar importantes decisões da nação. Por aqui, setores conservadores da sociedade ainda discutem a legitimidade das cotas raciais nas universidades.
O Brasil, como se sabe, pretende se tornar, até 2025, a quinta maior economia global, ultrapassando a Alemanha, e finalmente atuar como um player de primeiro escalão no cenário internacional. Porém, para que isso realmente ocorra, serão necessárias mais do que ações para incrementar o Produto Interno Bruto (PIB). É preciso conter o sangramento demográfico de jovens - que já começam a fazer falta na economia - e investir em educação de qualidade. Segundo pesquisa do Observatório de Favelas, Secretaria Nacional de Direitos Humanos e UNICEF, cerca de 33 mil jovens devem ser mortos no Brasil até 2013.
Na cerimônia de sanção do Estatuto da Igualdade Racial, o então presidente Lula disse que a dívida que o Brasil tem com negros "não pode ser paga em dinheiro, mas com solidariedade". Porém, o documento que possui 65 artigos ainda é tímido para enfrentar desigualdades tão latentes e não inclui marcos legais efetivos para mudança do status quo racista.
Em compensação, o que observamos no teatro de horrores das grandes metrópoles brasileiras é a punição severa de jovens negros com menos de 25 anos, vitimados ora pela guerra do tráfico de drogas ou pela ação genocida de grupos de extermínio - tudo isso sob a leniência governamental e com o álibi do chamado "auto de resistência" por parte das policias. Pelo visto, não há dúvidas sobre a opção feita pelo Estado Brasileiro, em vez de educar e unir, prefere segregar e punir. Essa é, portanto, a fotografia triste da nossa realidade.
Paulo Rogério Nunes é diretor-executivo do Instituto Mídia Étnica e co-editor do Portal Correio Nagô.
Janete
Castanhal-Pará-Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário