quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

E SE DEUS FOR NEGRO?

*Walter Nunes

François Bernier, viajante, antropólogo e médico francês, escreveu em 1684, no “Journal des Sçavants” de Paris, a seguinte descrição de um negro:” são humanos, de lábios grossos e narizes achatados; pele oleosa, lisa e polida, com exceção das partes queimadas pelo sol; possui apenas três ou quatro fios de barba e os cabelos não são propriamente cabelos, mas uma espécie de lã que se assemelha ao pelo de algumas de nossas ovelhas. Seus dentes são mais brancos que o marfim mais fino; sua língua e toda a reentrância da boca com lábios tão vermelhos quanto o coral”.

No simbolismo das cores, no Ocidente Cristão, o negro significava a derrota, a morte, o pecado, enquanto o branco significava o sucesso, a pureza e a sabedoria. Segundo, Roger Bastide, sociólogo francês, nós herdamos dos gregos e do cristianismo a polaridade branco-preto como expressão da pureza e do demoníaco. “Lembramos o véu negro de Teseu, quando retornou de Creta, como símbolo da derrota, e o seu véu branco como sinônimo de vitória. Os eleitos, no cristianismo, vestem túnicas brancas e os diabos são negros. Sem nos darmos conta, essa ligação da negrura com o inferno, a morte, as trevas da noite e o pecado não deixa de exercer influência sobre nossa visão dos africanos, como se uma maldição estivesse colada a sua pele”.

Em 2010 entrou em vigor o Estatuto da Igualdade Racial. O senador Demostenes Torres (DEM-GO), relator do texto final, conseguiu empurrar garganta abaixo e aprovar, um estatuto que é a cara da elite branca e conservadora representada pelo Democratas. Foi o DEM que ajuizou ação no STF contra a demarcação dos territórios quilombolas, contra as cotas nas universidades e de quebra aplaudiu o senador Demostenes quando ele defendeu que, na colônia, não houve estupro de mulheres negras pelos senhores de engenho, era sexo consensual. Muita cara de pau de um senador racista.

O racismo no Brasil é alimentado na sutileza dos detalhes do cotidiano e até nos parece normal esta convivência. Na maioria das vezes, ocorre de forma imperceptível, quase invisível. Outro exemplo vergonhoso foi o que constatamos no ano passado, na novela Viver a Vida, assistida por milhões de brasileiras (os). A personagem Helena vivida pela atriz negra Thaís de Araujo, foi uma protagonista que ajoelhava e implorava perdão e mesmo assim levava porrada em plena Semana da Consciência Negra . Demonstrou incompreensiva subserviência aos personagens brancos. Por outro lado vimos Luciana, paraplégica, vivida pela atriz Aline Moraes dentro de casa, sendo carregada no colo por um negro, contratado especialmente para essa finalidade. Na imprensa escrita, os negros jamais são vistos nas colunas sociais, mas predominam nas páginas policiais; nas passarelas as modelos são brancas. Na medicina, engenharia, direito e outros cargos nobres, o negro é minguado, quase não se vê.

Esse racismo estrutural praticado de forma tão sutil tem proporcionado um alto custo social. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a cota de anestesia, para mulheres negras atendidas pelo SUS no parto normal é quase 10% menor que a cotas destinadas às mulheres brancas.

Repetindo Mário Rosa, poderíamos questionar: “E se você chegar ao céu e em vez de um velhinho de barba branca sentado no Trono, você vir um Deus negro? E se em vez de clarins ressoando na sua chegada, você ouvir tamborins? E se em vez de um coral com anjos lourinhos ou ruivos de cabelos encaracolados cantando de maneira contida, você encontrar um grupo de cabelos em trancinhas, da cor da noite, tocando louvores a Deus em ritmo de timbalada? Você ficaria surpreso? Muitos ficariam chocados. Fazemos uma imagem de Deus como se Ele fosse europeu, branco, de barba branca e bochechas vermelhas, como o Papai Noel. Deus é Espírito. Então não é branco, negro ou amarelo, Ele é Deus”.

Feliz 2011 a todos aqueles que querem um Brasil mais igual; aos mais de 250.000 jovens negros analfabetos; aos negros residentes nos mais de 500 quilombos do Maranhão que não tem suas terras certificadas e às mais de 1500 comunidades de terreiro excluídas das políticas públicas por falta de registro.


*Mestre em Relações Internacionais e membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.

Janete

Castanhal-Pará-Brasil

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