terça-feira, 26 de março de 2013

Anvisa publica proibição de venda de álcool líquido com mais de 54º GL



Objetivo da medida é reduzir casos de queimaduras, segundo a agência.
Segunda a Justiça, no entanto, medida ainda não é válida.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, no Diário Oficial desta segunda-feira (26), resolução que proíbe a fabricação, distribuição e venda, de álcool líquido com graduação acima de 54º GL. A medida determina, ainda, que as empresas recolham os produtos existentes no mercado.
Segundo a agência, a decisão é resultado da decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que em julho de 2012 se manifestou pela legalidade da resolução da Anvisa, de 2002, que proibia a venda do produto.














Venda de álcool pode ser proibida no Brasil, mas suspende de decisão judicial
Em julho do ano passado, a Quarta Turma do TRF-1 decidiu validar uma resolução da ANVISA de 2002 que proibia a "fabricação, exposição à venda ou entrega ao consumo, do álcool etílico de alta graduação, ou seja, acima de 54° GL". Com a resolução, somente o álcool gel poderia ser comercializado ou álcool líquido com teor menor do que 54º GL, ou seja, menos inflamável.
Após a decisão, a Anvisa deu prazo de 180 dias para a adequação do setor produtivo, que terminaram em 28 de janeiro. Com isso, diz a agência, a venda do álcool líquido estaria proibida a partir de 29 de janeiro.
A ANVISA informou que entende que a medida é válida. Dessa forma, as empresas que descumprirem a proibição estariam sujeitas a multas que podem variar de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão.
A ANVISA informou que a fiscalização ficará a cargo das vigilâncias estaduais e municipais que serão comunicadas sobre a nova norma. A proibição da venda do álcool líquido com graduação maior que 54° GL, segundo a Anvisa, tem o objetivo de reduzir o número de casos de queimaduras e ingestão acidental.
Em janeiro, a Associação Brasileira dos Produtores e Envasadores de Álcool (Abraspea) afirmou que entende que não há respaldo legal para a proibição da venda, uma vez que a questão está sub júdice e cabe inclusive recursos à tribunais superiores.
"Se a Anvisa efetivamente adotar essa medida, iremos defender os direitos dos produtores e pedir o ressarcimento de eventuais prejuízos”, afirmou, na ocasião, Ary Alcantara, porta-voz da Abraspea.
O processo
Após a Quarta Turma do TRF-1 ter validado a resolução da Anvisa em julho de 2012, entidades de empresas que fabricam o álcool líquido a questionaram por meio de embargos.
Em sessão no dia 4 de dezembro, o relator do processo, o juiz Márcio Barbosa Maia, manteve em sua decisão a resolução da Anvisa, e foi acompanhado pelo juiz Rodrigo Navarro. O terceiro juiz que integra a turma, Moreira Alves, pediu vista do processo. Como o embargo tem efeito suspensivo, segundo o TRF-1, o prazo não vale até que Moreira Alves dê seu voto.
Nesta segunda-feira, o TRF-1 informou que não houve mudança desde que houve pedido de vista do desembargador Carlos Eduardo Moreira Alves, que encontra-se de férias até o dia 25 de março.
"Os embargos de declaração relativos à questão estão pendentes de apreciação e não nos foi informada a data para julgamento dos mesmos. Quanto a essa nova resolução da Anvisa, o TRF1 não pode se manifestar sem que seja motivado, considerando que não chegou em nosso protocolo nenhum recurso a ela relacionado", afirmou o TRF-1 em nota.
A Anvisa argumenta que a proibição do álcool líquido com teor maior do que 54º GL não prejudicará o consumidor, uma vez que já existem opções no mercado do produto dentro das normas defendidas pela Anvisa. "O que estamos retirando é aquele álcool de alta graduação que as pessoas acham ótimo de usar para churrasco", diz Mancilha.
Segundo a agência, pela nova norma o álcool com gradução maior que 54° GL poderá ser vendido na forma de gel. "Os produtos comercializados para fins industriais e hospitalares continuam liberados. Também pode ser comercializado para o consumidor final o álcool de 54° GL em embalagens de no máximo 50 mililitros", informou a Anvisa, em comunicado.
A Abraspea, por sua vez, argumenta que este tipo de álcool líquido é comercializado na maioria dos países por ser o preferido dos consumidores, que não há dados alarmantes  sobre a ocorrência de acidentes domésticos com o produto e que os produtos com maior teor de água na composição não possuem o mesmo poder bactericida do álcool líquido do tipo comum.
Segundo a associação, a proibição da Anvisa atingiria cerca de 70% do álcool líquido comercializado pelas empresas no país.

Seja um consumidor mais consciente!

Na correria do dia-a-dia vamos ao supermercado e quase nunca lembramos de conferir o prazo de validade dos produtos que estamos adquirindo. E o pior, muitas vezes só nós damos conta de que um produto está vencido quando vamos utilizá-lo.
Muitos fornecedores colocam produtos prestes a vencer em promoção, o que leva o consumidor a comprar vários produtos achando que está fazendo um bom negócio, quando na verdade não terá tempo de consumi-los.
O que não deveria acontecer porque essa conduta configura crime contra as relações de consumo definido pelo art. 7º, IX da Lei n° 8.137/90: “vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo”, sendo a pena incidente a detenção de dois a cinco anos ou multa.
A comercialização de produtos no fim do prazo de validade é permitida desde que o consumidor seja informado, de forma clara e precisa, que terá que consumi-lo dentro daquele prazo.
O art. 18, §6° do CDC afirma que são impróprios ao consumo os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos. Quem adquire produto vencido tem o direito de optar entre a substituição por outro dentro do prazo de validade ou o ressarcimento do dinheiro pago para o fornecedor.
Há uma grande carência de delegacias especializadas no atendimento aos consumidores, vítimas de infrações penais nas relações de consumo, embora o art. 5º, III do CDC defina a criação desses postos como um dos instrumentos da Política Nacional das Relações de Consumo.
Por isso, enquanto não são criadas delegacias especializadas suficientes para atender aos consumidores e fiscalizar as relações de consumo e os fornecedores continuarem agindo de má fé, os consumidores devem se conscientizar e ficar mais atentos à data de validade dos produtos adquiridos.Em Diamantino em algumas ações da Vigilância Sanitária do Município de Diamantino foram retirados produtos das prateleiras dos comércios da Cidade. Encontrando produtos vencidos à venda comunique a Vigilância Sanitária do Município de Diamantino ligue 3336 1115.

domingo, 24 de março de 2013

Cultura e história da África: dez anos da Lei 10.639



Christian Fischgold - 01/03/2013 - 13h25
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/60912/cultura+e+historia+da+africa+dez+anos+da+lei+10.639.shtml#.UTM1QqRmYPo.gmail

Em janeiro de 2003 o então presidente Lula e o ministro da Educação Cristóvam Buarque assinaram a Lei 10.639, que instituía a obrigatoriedade do ensino de cultura e história africanas nas escolas brasileiras. Em 2008 a Lei 11.645 incluiria a historia e cultura indígenas nos currículos escolares. Apesar disso, a história dos países africanos e da cultura afro-brasileira e indígena em toda a sua diversidade permanece pouco conhecida para a maioria dos brasileiros e os dez anos da assinatura da lei, na prática, contribuíram pouco para mudar essa situação.
O IARA (Instituto de Advocacia Racial e Ambiental) fez um levantamento sobre a situação da aplicação da lei nas escolas e universidades. O que foi detectado é que existem poucos projetos isolados nas escolas, as universidades não têm disciplinas específicas para tratar o tema e, quando há, não é obrigatória. A verba pública destinada à implementação da lei foi utilizada para realização de cursinhos, seminários e festas, mas não modificou a resistência ao conhecimento da cultura afro-brasileira e do estudo da história dos africanos no Brasil. Um exemplo é o caso recente de alunos do 2º e 3º ano do ensino médio de uma escola em Manaus que se recusaram a apresentar um trabalho sobre cultura africana por acharem uma ofensa a sua religião e aos seus princípios morais.
Apesar dos modestos avanços da lei algumas mudanças podem ser notadas nos últimos anos, seja em virtude de outras políticas afirmativas do governo, seja em função do empenho e pressão de setores da sociedade civil. A última década registrou um aumento na oferta de títulos e autores literários africanos, especialmente dos PALOPs (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), nas estantes das livrarias e bibliotecas do país. Boa parte desse aumento se deu através do esforço e ações de editoras que passaram a investir mais nesses autores. Nomes como Pepetela, Ruy Duarte de Carvalho, José Eduardo Agualusa, Mia Couto, Ondjaki, Paulina Chiziane, dentre outros, passaram a figurar com prestígio em eventos acadêmicos, festas literárias e bienais do livro.
Esse diálogo com autores e a história dos países africanos é importante para mudar a forma como o Brasil se vê, pois, segundo o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil tem a maior população negra fora do continente africano, e nossa história e cultura está repleta de signos e influências desses países.
Quem pode falar
Um dos pilares da ofensiva colonial era o domínio discursivo a respeito do “outro” africano ou indígena. Juntamente com as pressões políticas, econômicas e militares, a colonização deu-se também por meio da cultura, através de uma extensa produção discursiva escrita desde as ultimas décadas do século XIX até meados do século XX, em que se procurava representar o negro africano (e também o indígena brasileiro) como inferior e subalterno, justificando a opressão em função de sua “civilização”. Os exemplos podem ser facilmente encontrados em obras literárias como Coração das Trevas de Joseph Conrad e O Fardo do Homem Branco de Rudyard Kipling, mas também nos livros de história. Sem direito a voz, o africano foi refém de representações carregadas de preconceitos e estereótipos sob o ponto de vista do colonizador europeu. A grande maioria dos livros de história escritos nesse período foi redigido por colonizadores ingleses, portugueses, franceses ou alemães. Romper o eurocentrismo característico do discurso do colonizador presente nessa bibliografia é uma das características do chamado discurso pós-colonial, “conjunto de práticas (predominantemente performativas) e de discursos que desconstroem a narrativa colonial, escrita pelo colonizador, e procuram substituí-la por narrativas escritas do ponto de vista do colonizado” (Boaventura de Sousa Santos, A gramática do tempo, Cortez, 2006). Desde meados dos anos 80 há uma intensa produção literária e acadêmica que procura reler a produção discursiva colonial nos países africanos.
Combater a presença desse eurocentrismo nos nossos currículos escolares, mexendo no que era “natural”, é um dos pontos principais que a instituição da Lei 10.639 procurava atingir.  No entanto, outras ações do Estado obtiveram mais sucesso no sentido de valorizar e incluir a cultura africana e indígena na sociedade brasileira. Além das cotas nas universidades, o lançamento de editais culturais voltados especificamente para negros no final de 2012 pelo MinC gerou um importante debate. Enquanto a ministra Marta Suplicy respondia acusações de que o edital era uma forma de discriminação, um estudo da pesquisadora Regina Dalcastangè (UNB) lançado na mesma época, apresentava uma pesquisa quantitativa intitulada Personagens do romance brasileiro contemporâneo, na qual foram analisados 258 romances brasileiros publicados entre 1990 e 2004, descortinando importantes números acerca da produção literária brasileira. Segundo a pesquisa 72,7% dos romances publicados foram escritos por homens; 93,9% dos autores são brancos; 82,6% das obras tem a metrópole como local da narrativa; 58,9% do contexto dos romances é a redemocratização, seguida da ditadura militar com 21,7%; o homem branco é, na maioria das ocorrências, representado como artista ou jornalista, e os negros como bandidos, pobres ou contraventores; já as mulheres, como donas de casa ou prostitutas.
Na TV e no cinema esse quadro não é muito diferente. A pesquisa evidencia quem ainda detém o poder das formulações discursivas no Brasil e o quanto nossa produção cultural é uma repetição de lugares-comuns.
A autodeclaração de cor
Um importante mecanismo que ajuda a medir as consequências e reflexos das ações afirmativas e das políticas de valorização das culturas africanas e indígenas no Brasil é a autodeclaração de cor.  Dados do censo do IBGE divulgados em 2011 revelam que, pela primeira vez, o número de pessoas que se declaram negras e pardas é maior do que o das pessoas que se declaram brancas. Entre os mais de 191 milhões de brasileiros, 91 milhões se declaram brancos (47,7%), 15 milhões pretos (7,6%), 82 milhões pardos (43,1%), 2 milhões amarelos (1,1%) e 817 mil indígenas (0,4%). Somando negros e pardos, são 97 milhões.
Em entrevista recente a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha ressalta que o mesmo movimento se deu entre as comunidades indígenas, havendo um aumento de 250 mil índios em 1993 para 817 mil em 2010. Segundo ela “O que realmente mudou é que ser índio deixou de ser uma identidade da qual se tem vergonha. Índios que moram nas cidades, em Manaus, por exemplo, passaram a se declarar como tais.” (Manuela Carneiro da Cunha, entrevista ao caderno "Prosa e Verso", O Globo, 16/2/2013).
Ampliar o número de vozes discursivas entre as camadas menos favorecidas da sociedade constitui-se fator urgente para a democracia brasileira. Contemplar a diversidade discursiva é romper com uma perspectiva já conhecida de abordagem do conhecimento. O Brasil funda-se na diversidade e negar a determinados setores da sociedade a possibilidade do discurso é uma violência simbólica. Pensar currículos escolares que abram a escola para a realidade, descolonizar - e reescrever - os livros de história e descentralizar a produção discursiva são desafios que ainda se colocam. Ter consciência desse desvio de representação é condição fundamental para que possamos criar mecanismos capazes de equilibrar essa balança. Para isso, a efetiva implementação das Leis 10.639 e 11.645 é um importante instrumento do qual não podemos abrir mão.

Biblioteca de Literatura Afrocolombiana | banrepcultural.org


_

Buscas no Google podem ser racistas?

Buscas no Google podem ser racistas? ARWA MAHDAWI - DO "GUARDIAN"
Estudo de Harvard aponta viés racial nos resultados, mas a culpa não é do mecanismo de buscas, e sim dos nossos próprios preconceitos.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1237713-buscas-no-google-podem-ser-racistas.shtml#.UUxLSoBuav4.gmail

Lamento informar, leitores, mas segundo Harvard a internet é racista. Sugiro que você pare de usá-la imediatamente se não quiser denegrir seu nome por ser cliente do Google e de outros sites. Bom, na verdade talvez seja melhor esperar até terminar de ler...
Um recente estudo de Latanya Sweeney sobre buscas no Google apontou uma "discriminação significativa" nos anúncios exibidos, dependendo de se o nome buscado tem, estatisticamente falando, mais chances de ser de uma pessoa branca ou de uma pessoa negra.
Então, a procura por uma "Emma" no Google provavelmente não irá motivar nada mais sinistro do que um convite para ir atrás do telefone e endereço da Emma, ao passo que a busca por uma "Jermaine" pode gerar um anúncio de procura por um prontuário criminal. Na verdade, a pesquisa de Sweeney sugere que há uma chance 25% maior de você topar com um anúncio de buscas por prontuários criminais a partir de nomes "identificadores de negros" do que com nomes que soem como de pessoas brancas.
Mas o que exatamente isso significa? Será que o Google tem alguma ferramenta de identificação racial incrustada nos seus algoritmos? Bom, não exatamente. O Google já declarou inequivocamente que "não conduz nenhuma identificação racial", e a própria pesquisa admite que a discriminação provavelmente não é tão insidiosa assim. Em vez disso, ela propõe que as discrepâncias demográficas provavelmente derivam de algoritmos "inteligentes" que adaptam o posicionamento dos anúncios com base nos hábitos da massa de usuários. Em suma, escreve Sweeney, os resultados geram "questionamentos sobre se a tecnologia de anúncios do Google expõe um preconceito racial na sociedade, e como as tecnologias de anúncios e buscas podem se desenvolver para assegurar a justiça racial".
Uau - então alguém acaba de declarar que a sociedade tem preconceitos raciais? Parem as máquinas.
Embora o estudo de Harvard tenha alguns argumentos interessantes, ele é também um caso revelador de "dualismo digital" --a ideia de que as realidades on-line e off-line são separadas e distintas. Isso pode ter sido verdade décadas atrás, quando a internet era algo com que você estabelecia uma conexão discada para consultar promoções de videocassetes no AltaVista, mas essa é hoje uma ideia terrivelmente ultrapassada.
A maioria das pessoas atualmente vê o mundo virtual como um simples reflexo do mundo real. Na verdade, um relatório deste ano do Departamento Governamental para a Ciência proclama que "o Reino Unido é agora tanto um ambiente virtual quanto um lugar real".

A questão de como (e se) a tecnologia pode se livrar daquilo que Sweeney chama de "racismo estrutural" acarreta alguns paralelos interessantes com os debates sobre a linguagem, que ocorrem desde muito antes de o Google ser uma centelha no olhar de Sergey Brin. Veja, por exemplo, a expressão que usei no começo, "denegrir seu nome". É um termo bastante comum, e você dificilmente acusaria de racismo alguém que o use; no entanto, é um termo carregado.
Há séculos as pessoas tentam livrar a língua do seu "racismo estrutural", por meio da invenção de dialetos politicamente neutros. O esperanto, criado por um homem de nome maravilhoso, LL Zamenhof, foi o mais bem-sucedido desses esforços, concebido para transcender as nacionalidades e promover a paz, o amor, a harmonia, todas essas coisas boas. Não foi muito longe nesse sentido, mas conseguiu chegar a dezenas de milhares de falantes fluentes, além de cerca de mil falantes nativos. Pode-se dizer que o equivalente tecnológico ao esperanto seja a "criação sensível a valores" (VSD, na sigla em inglês), a crença de que a tecnologia deve, em seu processo de concepção, ser ativamente influenciada para levar em conta os valores humanos, em vez de simplesmente reagir a eles posteriormente. Embora pareça na superfície ser uma boa ideia, é um ninho de serpentes de questões éticas quando você vai mais fundo, abrindo um debate mais amplo sobre a ideia de valores universais e relativismo cultural.
Mas toda essa teoria é, talvez, um pouco erudita demais, e se afasta do ponto mais importante na pesquisa de Sweeney: que suas pegadas digitais têm profundas implicações na sua vida real. Como (não) disse Descartes: "Googlito ergo sum" - estou no Google, logo existo. E, se no Google você é um criminoso em potencial, isso tornará um tanto mais difíceis as suas chances de arrumar um emprego. Mas se livrar desse preconceito não é uma questão de algoritmos, é uma questão de mudança de atitudes.
Há uma interessante observação sobre isso na própria palavra "highbrow" ["erudito", ou literalmente "fronte alta"]: um termo que vem da frenologia, uma "ciência" do século 19 que usava o formato dos crânios humanos para justificar o racismo. Nas décadas de 1820 a 1840, quando a frenologia estava no auge, os empregadores costumavam solicitar uma referência de caráter a um frenologista local, para confirmar se você seria um bom empregado ou um criminoso em potencial. Naquela época, portanto, seu crânio servia como uma espécie de busca no Google. E não progredimos como sociedade mudando nossos crânios; mudamos o que havia dentro deles.
Tradução de RODRIGO LEITE

Sinalizar esta mensagem Convite - Lançamento do livro


Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro disponibiliza em seu sítio web todo o acervo de sua Revista, desde seu primeiro exemplar, datado de 1839, em versão digital facsimilar.
É possível fazer o download dos arquivos PDF de todas as edições no endereço http://www.ihgb.org.br/rihgb.php

International Peace Festival 2013 - Poesia Paz Internacional - Concurso de 2013 - PARTICIPAÇÃO DE ONZE ( 11 ) ESCOLAS DE MATO GROSSO

INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS  QUE PARTICIPAM:
                                                                                   EDUCATIONAL INSTITUTIONS THAT PARTICIPATE:
ESCOLA ESTADUAL ANA MARIA TISSIANE DE OLIVEIR A- DIAMANTINO - MT
ESC0LA ESTADUAL PAULO FREIRE - BARRA DOS BUGRES - MT
ESCOLA  ESTADUAL  PROFESSORA  MARINES  FÁTIMA  DE  SÁ TEIXEIRA - ALTA FLORESTA - MT
ESCOLA: COLÉGIO CENTRO EDUCACIONAL DE APRENDIZAGEM - VÁRZEA GRANDE -  MT
ESCOLA ESTADUAL PADRE EZEQUIEL RAMIN - JUÍNA - MT
ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL OLAVO BILAC - LUCAS DO RIOV ERDE - MT
ESCOLA DR. MANOEL JOSÉ MURTINHO - DIAMANTINO - MT
ESCOLA CASTRO ALVES - DIAMANTINO  MT
ESCOLA ESTADUAL CECILIA MEIRELES  - ALTA FLORESTA  - MT
ESCOLA ESTADUAL ANDRÉ ANTONIO MAGGI - RONDONÓPOLIS s - MT
ESCOLA ESTADUAL DEPUTADO JOÃO EVARISTO CURVO - JAURU – MT 

segunda-feira, 18 de março de 2013

Na contramão da internação compulsória

Publicada em 15/03/2013

http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/32156
 
 
Um dos assuntos mais em pauta na sociedade atualmente diz respeito à internação compulsória dos usuários de crack que vem ocorrendo nos grandes centros urbanos. Mas isso,  ao rigor da lei, não é permitido. Aliás, existe diferença entre internação compulsória e involuntária. Para esclarecer melhor tais questões, o Informe ENSP entrevistou o presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP) e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, Paulo Amarante.

Em um bate-papo franco, o pesquisador diz apoiar a visão da juíza Maria Lúcia Karam em prol da liberação de todas as drogas, entendendo que isso não acarretará aumento do número de usuários. Ele fala, ainda, sobre o polêmico Projeto de Lei do deputado Osmar Terra, que estabelece a internação compulsória para desintoxicação e o credenciamento de comunidades terapêuticas no âmbito do Ministério da Saúde, e defende a ampliação do papel dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para combater o que chama de retrocesso do processo de reforma psiquiátrica no país.

Informe ENSP: Hoje em dia, um dos grandes debates com relação às drogas é a questão da internação compulsória e internação voluntária. Qual é a real diferença entre elas?

Paulo Amarante: O debate começou a aparecer com a denominação internação compulsória. Houve várias críticas a isso, porque internação compulsória é regulamentada pelo Código Penal. É uma internação determinada por um juiz. A pessoa não tem de ser levada por família ou por ninguém. Basicamente, a internação compulsória é voltada para a pessoa que cometeu um crime ou delito, ou que está prestes a cometer algo do gênero, quando há uma ameaça visível para a sociedade. Ao ser detida por uma autoridade, existe a suspeita ou argumentação da parte de alguém de que se trata de uma pessoa com transtorno mental. O delegado encaminha para o juiz um caso desse tipo, porque uma pessoa com transtorno mental, a rigor, não pode ser presa, o que ocorre de forma provisória. É, então, solicitado ao juiz que faça um pedido de avaliação pericial a fim de certificar-se de que a pessoa tem transtorno mental, e se o ato cometido ou por cometer tem a ver com o delito. O perito psiquiátrico, credenciado pelo sistema Judiciário, pode dizer se a pessoa tem ou não quadro de transtorno mental, mas que o crime pode não ter nada a ver com isso. Ele determina o tipo de tratamento, que pode ser uma medida de segurança restritiva ou punitiva.
 
Se o crime for violento ou contra a vida, o perito poderá determinar uma medida de segurança com internação em algum Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), que eram os antigos manicômios judiciários. Ou determina uma medida punitiva com tratamento em regime aberto, por exemplo, quando a pessoa trabalha em alguma comunidade ou Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Sendo assim, a internação compulsória é aquela determinada pelo juiz a partir de um caso específico de crime cometido ou por ser cometido.

Genericamente, tanto as autoridades de São Paulo como do Rio de Janeiro falavam a respeito da internação compulsória de forma inadequada. Várias pessoas do campo da psiquiatria e do campo jurídico disseram que a utilização do termo estava sendo equivocada. Não se pode pegar uma leva de pessoas na rua e carregar para uma instituição psiquiátrica. Isso é, no mínimo, um ato policial, e não jurídico.

Informe ENSP: Então, o que realmente está acontecendo nas cidades, em particular com relação às drogas, não é internação compulsória?

Paulo Amarante: O que está sendo feito não é a compulsória, mas também não pode ser chamada internação involuntária. Essa modalidade é feita a partir de um familiar ou uma autoridade, que solicita tratamento para alguém que esteja incomodando a ordem pública. Essa pessoa é recolhida contra sua vontade e, caso não tenha condição de discernimento do tratamento, outra pessoa pode assinar por ela.

O que está acontecendo aqui é uma internação involuntária coletiva, e até mesmo sem um critério mais específico de avaliação psiquiátrica, em prontos-socorros. Agora, as autoridades pararam de usar o termo internação compulsória para falar de involuntária, porque teriam mais autonomia de atuar sem necessidade de um juiz.

Um médico pode fazer a internação involuntária, porque ele tem o poder de analisar caso a caso, escolher o melhor tratamento, e há um familiar que requisitou essa ajuda.

Informe ENSP: O que a comunidade psiquiátrica pensa com relação a essas internações de usuários de crack? O que está sendo feito atualmente não é solução.

Paulo Amarante: Como a gente tem esse papel de formador de opinião, venho tentando fazer uma discussão sobre a determinação social da questão. Por que, de repente, há mais vagabundos, mais criminosos, mais drogados nas ruas? Precisamos fazer uma análise mais profunda a respeito do que está ocorrendo. A questão do crack, ou das drogas, em geral, é um indicador social de que algo está mudando.

Por exemplo: Uma pessoa está com dengue; o médico de família está cuidando dela e averiguando se há mais casos da doença em uma comunidade. Esse médico pode tratar cada pessoa individualmente, mas percebe que há um foco de contaminação na região e solicita outro tipo de atenção. E isso precisa ser pensando para as drogas.

Informe ENSP: Então, o crack é um problema de saúde pública.

Paulo Amarante: Não só da saúde pública como de organização social, que vai desde toda a estrutura de desorganização das relações do trabalho, de aumento de desemprego, de trabalho informal, de domínio desse mercado informal de trabalho por grupos, gangues ou milícias. A estrutura da família também vem mudando ao longo dos anos. As mulheres, antigas cuidadoras do lar, cada vez mais trabalham fora e cuidam menos do lar; e, na questão de gênero, temos o pai, que não assume seu papel. Além disso, a estrutura das escolas, que não está mais adequada. Há uma série de aspectos, e não podemos só atribuir às pessoas o consumo de drogas. O Estado tem de pensar nisso.

Por outro lado, há a questão da importância da economia do tráfico. Hoje, é uma ingenuidade não saber que a grande lavagem de dinheiro, o grande capital envolvido em tudo isso, está ligado ao tráfico humano, de armas e outras coisas mais. É uma economia impulsionadora de várias iniciativas, não é mais só o pequeno vendedor. É um mercado que está em expansão, pegando cada vez mais trabalhadores jovens para atuar nele, com ofertas mais imediatas de crescimento.

Informe ENSP: Temos também a questão do pequeno usuário de drogas, que se torna um pequeno traficante para os que estão em seu meio. Ele, então, acaba por encontrar aí uma forma de renda.

Paulo Amarante: Exatamente. Há uma mudança de papel econômico e sociológico. No campo mais direcionado à saúde mental, temos uma desestruturalização da rede. Desde a aprovação da Lei 10.216, da reforma psiquiátrica em 2001, a grande maioria dos profissionais não a conhece. Como professor, dando aulas no Brasil inteiro, apresento a Lei para alunos que nunca a tinham lido. Muita gente não sabe o que ela representa no campo da transformação de um modelo de assistência, das práticas de saúde etc.

O desinvestimento em uma cidade como o Rio de Janeiro é horrível. Temos hoje 12 Caps funcionando. Atendendo 24 horas, apenas um. Esse desinvestimento reflete a ideia das políticas neoliberais de enxugamento do Estado, com a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal que não se pode contratar; quando contrata, há enorme precarização do trabalho.

Comumente, como já mencionei, essa precarização do trabalho causa uma reserva de pessoas desesperadas por alguma possibilidade, em busca de renda e de melhoria de vida, como também gera um mercado profissional muito desqualificado e instável.

Temos então uma estrutura precaríssima tanto para cuidar de pacientes com transtornos mentais em geral, como para álcool e drogas. Não tínhamos quase nada no Estado do Rio de Janeiro, apenas dois ou três serviços universitários fazendo atendimento muito pontual. E não tínhamos uma rede. O papel se repete no Brasil inteiro. Agora que a questão aparece, existe uma pressa em dizer que os serviços existentes não funcionam; outro agravante é a criação de um mercado privado, paralelo à política pública, com recursos públicos, que é o das comunidades terapêuticas.

Informe ENSP: A ampliação do papel das comunidades terapêuticas faz parte do polêmico Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados. Ele pretende, entre outras coisas, criar um cadastro de usuários de drogas no país, de autoriado deputado Osmar Terra (PMDB-RS), correto? Mas os Caps existentes não poderiam ser utilizados para isso?

Paulo Amarante: Essa ampliação das comunidades terapêuticas é resultado da entrada dos interesses de igrejas, fundamentalmente evangélicas, e de todo o lobby evangélico existente na Câmara, que acabou virando outro grande mercado, isto é, a fé e a religião, totalmente desregulado.

Por trás desse ‘movimento de higienização’, como falei, há uma precarização da sociedade como um todo. Por outro lado, uma política de redefinição do espaço urbano. A Copa e os Jogos Olímpicos são apenas pretextos para as autoridades fazerem o que estão fazendo. O que está havendo é a concentração maior de renda, e um dos mercados mais promissores é o imobiliário. Em algumas cidades, como SP ou RJ, existe um projeto urbanístico de revitalização dos espaços urbanos, com grandes investimentos no mercado imobiliário.  E é necessário que seja feita a ‘reforma Pereira Passos’, como foi o caso do Rio de Janeiro na época de Oswaldo Cruz, no início do século XX, com a retirada das pessoas do Centro da cidade. Foi quando nasceram as favelas e, hoje em dia, se repete com a criação das comunidades terapêuticas.

A questão do crack, das drogas em si e da internação involuntária está em contexto muito ampliado. No nosso nível de competência, se podemos dizer, é necessário que se invista mais em uma rede de serviços que se mostram competentes. A Helena Furtado esteve em 2012 aqui, no curso de especialização em Saúde Mental, e falou sobre a experiência de São Bernardo. Existe sim a possibilidade de utilizarmos os Caps, com atendimento para álcool e drogas 24 horas, com internação em situação de crise, as pessoas sendo tratadas, sem a necessidade de um modelo que entende como solução a internação integral, involuntária, por meses, como se isso fosse incutir nas pessoas o desejo de se tratar.

Temos demonstrado que, às vezes, é mais eficaz o tratamento voluntário, quando a pessoa é convencida a se tratar e cria uma relação de confiança e vínculo, do que outros tipos de internações. A pesquisa que o professor Dartiu Xavier faz na Unifesp mostra que as pessoas que saem dessas internações involuntárias, compulsórias e obrigatórias voltam direto para as drogas.

Outra questão do nosso nível de competência que fazemos é a crítica às instituições totalitárias. O sociólogo francês Robert Castel, que trabalha nessa linha de globalização, do neoliberalismo no mundo e teve importância fundamental no campo da saúde mental, em seu livro A metamorfose da questão social um dos mais importantes para pensar esse capitalismo pós-moderno –, ressalta a questão das instituições totalitárias. Imagina o que é a estrutura de uma instituição que vai cuidar de 20, 30, 100, 1.000 pessoas recolhidas compulsoriamente, impossibilitadas de sair? Imagina o nível de violência para coagir as pessoas a se manterem nessas instituições?

O Conselho Federal de Psicologia fez uma pesquisa em 2012 sobre as comunidades terapêuticas, e todas tinham graves violações de direitos humanos.

Informe ENSP: Então, os direitos humanos nessas instituições são praticamente nulos?

Paulo Amarante: Nessas comunidades, foram encontradas pessoas enterradas até o pescoço, que eram obrigadas a carregar pedras e serem acordadas de madrugada para tomar banho frio, criando uma mistura de prática religiosa de purificação e exorcismo com a prática de terapia cognitiva comportamental de choque, gerando medo nelas.

Informe ENSP: Tudo isso vai contra o trabalho que vem sendo feito nos últimos 25, 30 anos no Brasil em prol da reforma psiquiátrica.

Paulo Amarante: Tudo o que nós, no Brasil, lutamos contra, não só no campo da saúde mental, mas também na questão dos direitos humanos, da cidadania. A ascensão do pastor Marco Feliciano à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados é um aspecto que toda a sociedade brasileira deveria reagir com muita indignação e resistência e não aceitar. Este é um sinal de que algo muito profundo está mudando, de toda luta nossa pela democratização, pela Constituição.

Informe ENSP: Com todo esse panorama, você acredita que a legalização das drogas é uma solução?

Paulo Amarante: Eu compartilho da visão da juíza Maria Lúcia Karam,  integrante da Associação Juízes para a Democracia, que afirma que, para liberar, tem de liberar todas as drogas. Não dá para liberar uma e não a outra. Só que a legalização é o princípio, princípio este que compreende que existe menos prejuízo para a sociedade que legaliza do que para aquela que não legaliza. Isso porque a ilegalidade leva ao domínio do mercado pelo tráfico. O tráfico implica outros interesses e maior violência para a sociedade, com poder financeiro utilizado em outros campos. Isso sem falar da utilização também no mercado do tráfico de trabalhadores, que é muito mais prejudicial, porque são pessoas que se expõem ao risco muito maior de deteriorização da vida.

O assunto é muito difícil e complexo; porém, a legalização é o princípio que criaria menos problemas. Com ela, seria possível ter regulamentação de produção, de garantir níveis de ‘qualidade’ dos produtos. Hoje em dia, temos drogas misturadas aos produtos mais tóxicos possíveis, como querosene, por exemplo.

É um cinismo falar que a legalização da maconha irá causar o aumento dos usuários. Com a liberação, seria possível haver salas de uso seguro, a pessoa não precisaria se esconder e se submeter a situações de risco para comprar as drogas. Isso não significa que teremos mais dependentes químicos. A proibição nunca diminuiu o número de usuários, pelo contrário. Criou um mercado e estratégias para chegar ao usuário. Não existe nenhuma instituição onde não entre a droga, seja ela psiquiátrica, penitenciária, educacional.

Informe ENSP: Voltando ao Projeto de Lei de autoria do deputado Osmar Terra, um dos pontos é a criação de um cadastro do usuário de drogas. Qual é sua opinião sobre isso?

Paulo Amarante: Esse projeto do Osmar Terra é muito surpreendente, porque ele foi um militante do movimento da reforma sanitária, integrante do quadro formulador das políticas do SUS. Então, eu vejo esse projeto como um retrocesso, porque é de maior criminalização, e, quanto maior a criminalização, a estigmatização, piores são os resultados e pior o envolvimento dos usuários em tratamentos, o que aumenta ainda mais a barreira da ideia do drogado como pessoa indesejada e inimiga pública da sociedade. Essa pessoa é alguém que queremos tratar e cuidar. Eu entendo como retrocesso. Hoje, está havendo uma grande mobilização, e a própria Abrasme está envolvida contra isso.

Eu acredito que esse projeto acabe passando na Câmara, principalmente por conta do lobby do mercado evangélico, e isso nos faz pensar nas alianças políticas e que tipos de projetos possam acabar passando no país. Veremos muitos retrocessos na questão dos direitos humanos.

Esse mesmo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados tem posição homofóbica. Hoje, existe a tendência das igrejas evangélicas em tratar o homossexualismo como uma doença, para depois começar a ocorrer a internação compulsória ou involuntária, ou qualquer coisa, já que é uma doença que a pessoa perde sua capacidade de discernimento. Temos muitos outros riscos e estamos partindo para um quadro muito assustador para o país.
 

Mais expansão de planos privados, menos fortalecimento do SUS

Diferentes movimentos, pesquisadores e associações se manifestam contra a possível medida do governo federal de apoio à expansão dos planos de saúde privados para as classes C e D
Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde
por Viviane Tavares do Rio de Janeiro (RJ).
A agenda da presidenta Dilma Rousseff no dia 26 de fevereiro não anunciava uma reunião com empresários do setor de saúde, mas a matéria do jornal Folha de S.Paulo apurou que ela se reuniu com cinco ministros de Estado, integrantes da área econômica e representantes do Bradesco, Qualicorp e Amil. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da presidenta, que negou o compromisso, mas, mesmo com a reação provocada por diversas frentes, não se pronunciou publicamente para desmentir o encontro. O mistério sobre a reunião ainda será desvendado, mas o assunto ajudou a trazer à tona mais uma vez o crescimento do setor privado na saúde brasileira.


De acordo com a matéria, a suposta reunião seria para a análise por parte do Executivo para a ‘redução de impostos, maior financiamento para melhoria da infraestrutura hospitalar e a solução da dívida das Santas Casas’. Em troca, o governo exigiria ‘uma série de garantias para o usuário’, com o objetivo de ‘facilitar o acesso de pessoas a planos de saúde privados, com uma eventual redução de preços, além da ampliação da rede credenciada’, além de ‘forçar o setor a elevar o padrão de atendimento’, como diz a Folha de S. Paulo.
Para o professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Mário Scheffer este fato não se mostrou inusitado, mas a novidademque é apresentada são os protagonistas. “Um deles é a Qualicorp – que é uma intermediadora de planos de saúdes, que cresceu muito nos últimos tempos e tem um histórico agressivo de financiamento de campanhas políticas, – na última eleição apostou para todos os lados financiando tanto a campanha da Dilma quanto do Serra e de alguns governadores. Além disso, conseguiu emplacar o presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) [ex-diretor presidente Maurício Ceschin que foi superintendente da Medial Saúde e da Qualicorp]. Outra novidade que faz a diferença é a entrada do capital estrangeiro.
Até então, o setor suplementar só existia com o nacional, mas vimos recentemente o maior negócio da saúde brasileira que foi a compra da Amil”, aponta Mario, completando: “Estes segmentos estão fazendo prospecção de outros mercados desde a reforma do Obama. E estas ações estão sendo anunciadas há algum tempo. Basta acompanhar o Valor Econômico, a revista Exame, a entrevista que o dono da Amil deu para as páginas amarelas da Veja. A intenção deste capital é ampliar massivamente o acesso a planos de baixo preço. O que vem à tona são esses dois protagonistas tentando materializar esta intenção”.
Por outro lado, o pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Geandro Pinheiro analisa a postura da presidenta Dilma Rousseff neste episódio, que, segundo ele, tem o propósito de dar resposta à demanda da população por saúde, além de fortalecer um modelo de desenvolvimento pautado pelo consumo. “A saúde como um todo está sendo questionada de todos os lados, e isso foi colocado para a presidenta como uma das áreas mais críticas, portanto, ela tem que dar uma resposta para as pessoas. E ela está dando e tem um apelo popular muito forte. A reforma sanitária não é algo que esteja na mente das pessoas, se dentro da própria reforma não há univocidade, imagina para a grande população? As pessoas querem saúde. Isso é dar uma resposta com um apelo popular fortíssimo e de uma marca de governo que será marcado por ampliar acesso da população, não se importando de que forma se dá este acesso. Além disso, podemos fazer uma ligação com a estratégia de consumo para o modelo de desenvolvimento, como em qualquer outra política do governo atual, mais forte ainda nestes dois últimos anos. Podemos ver, por exemplo, o Vale Cultura, que financia revista, TV a cabo...Ou seja, está vinculando aquilo que sai como preceito de direito para uma questão vinculada ao consumo. Se analisarmos, todas as políticas estão tendo este norte: de ampliar o acesso ampliando o consumo”, analisa.

Crescimento do setor privado
Vale lembrar que os incentivos e parcerias previstos são para um setor que já está dando certo há algum tempo. Baseado em dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess), o ano de 2012 foi mais do que satisfatório para o setor, já que a variação dos custos médico-hospitalares, ou seja, os valores pagos pelos serviços e procedimentos realizados, foi de 16,4%, quase três vezes maior do que a variação da inflação geral (IPCA) que foi de 6,1%. “A tendência de crescimento observada durante o ano de 2011 continuou no primeiro semestre de 2012, de forma que o índice atingiu o maior valor já observado desde o início da série histórica. O maior valor registrado anteriormente foi em 2009 (14,2%), logo após a crise de 2008”, aponta o estudo.
No entanto, o crescimento dos serviços ofertados deste setor não tem acompanhado a mesma escalada dos lucros. A cobertura dos planos de saúde é cada vez mais criticada pelos usuários. Como resultado disso, no dia 6 de março foi publicada no Diário Oficial uma nova medida por parte da ANS. A partir de 7 de maio, quando a norma entrou em vigor, todas as negativas a beneficiários para a realização de procedimentos médicos deverão fazer a comunicação por escrito, sempre que o beneficiário solicitar. De acordo com a assessoria de imprensa da ANS, durante o ano de 2012, a agência recebeu 75.916 reclamações de consumidores de planos de saúde. Destas, 75,7% (57.509) foram referentes a negativas de cobertura.
“Em São Paulo, por exemplo, 60% da população tem planos de saúde, mas, para os usuários, eles estão virando um tormento. Estamos dando subsídio público com a promessa de que o serviço de saúde vai melhorar, mas com a estrutura atual, eles não conseguem suportar a quantidade de pessoas que vem crescendo. A conta não está batendo e já chegamos a um colapso. Mas isso é resultado da permissividade e conivência da ANS que deixou que a expansão artificial deste mercado acontecesse. A solução apresentada agora para resolver isso é construir rede, puxadinho dos hospitais próprios, mas, para isso, as operadoras querem dinheiro do BNDES, vários tipos de isenção ...É quase um Programa de Universidade para Todos (Prouni) da saúde ou um Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC) das operadoras”, analisa Mario.
A professora da Faculdade de Serviço Social da Uerj Maria Inês Bravo concorda que há um crescimento progressivo do número de usuários de planos de saúde e aponta outros modelos de privatização do SUS, como as Organizações Sociais (OS), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), as Fundações Públicas, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Parcerias Público-Privadas (PPP) como prejudicais ao sistema de saúde pública. “Contra fatos não há argumentos: o crescimento se deu de 34,5 milhões, em 2000, para 47,8 milhões, em 2011, tendo o Brasil se tornado o 2º
mercado mundial de seguros privados, perdendo apenas para os Estados Unidos da América”, lembra. E completa: Há uma entrega acelerada para a gestão do setor privado, através da expansão dos chamados novos modelos de gestão, que têm sido denunciados como formas de intensa corrupção. Através destas organizações, o fundo público se torna mais facilmente transferido para o grande capital internacional e seus sócios internos, como os grandes laboratórios de análises clínicas e clínicas de imagem privadas, a maioria parte dos grandes conglomerados financeiros”, denuncia Maria Inês.
Mário acredita que este crescimento dos planos de saúde é ainda mais grave do que os modelos de gestão mostrados até agora. “Este movimento interfere totalmente no sistema de saúde que queremos. A ampliação dos usuários de planos de saúde para ¼ da população é uma fatia imensa se comparados a outros sistemas universais, de atendimento integral. Nestes outros países que oferecem sistemas de saúde semelhantes ao SUS, o plano de saúde faz um papel suplementar de 10 a 15% no máximo. Agora aqueles onde a participação dos planos de saúde se amplia, se transformam em sistemas duplicativos, e isso resulta nos piores sistemas, nos mais caros, nos mais ineficientes e que mais se afastam da equidade e integralidade”, aponta.
Manifestações contra o desmonte do SUS
Entidades alertam que o resultado é a falta de profissionais, a ineficiência da rede básica de serviços e o atendimento de baixa qualidade à população
Em menos de uma semana, diversos segmentos da saúde se manifestaram contra as medidas citadas pela reportagem da Folha de S.Paulo. Em nota, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) pronunciou sua posição contrária a este movimento de ampliação do sistema particular de saúde: “É uma proposta inconstitucional que significaria mais um golpe contra o sistema público brasileiro. E o pior: feita por quem deveria defender a Constituição e, por conseguinte, o acesso universal de todos os brasileiros a um sistema de saúde público igualitário.
Além de inconstitucional, a proposta discutida é uma extorsão. Na prática, é uma escandalosa transferência de recursos públicos para o setor privado. Aliás, recursos que já faltam, e muito, ao SUS. O SUS é um sistema não consolidado, pois o gasto público com saúde é muito baixo para um sistema de cobertura universal e atendimento integral. O resultado é a falta de profissionais, a ineficiência da rede básica de serviços e o atendimento de baixa qualidade à população”.
A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde também se pronunciou na tarde de ontem em relação ao ocorrido com um manifesto publicado em seu site. “Tal política não responde aos interesses da maioria da nação: sistemas de saúde controlados pelo mercado são caros, deixam de fora idosos, pobres e doentes, são burocratizados e desumanizados, pois as pessoas são tratadas como mercadorias. Se o SUS hoje não responde aos anseios populares por uma saúde universal de qualidade de acordo com a Constituição de 1988 não é pelas deficiências do modelo – há modelos de sistemas universais como Reino Unido e Cuba, amplamente bem considerados pela população e com indicadores de saúde melhores dos que o sistema de mercado da nação mais rica do planeta, os EUA – mas porque os governos não alocam recursos suficientes, não cumprem a legislação e porque a democracia, expressa no controle da sociedade sobre o sistema de saúde, não é respeitada”, diz o manifesto.
Outros pesquisadores como Ligia Bahia, Luis Eugenio Portela e Mário Scheffer expuseram sua opinião em relação ao caso com a publicação do artigo ‘Dilma vai acabar com o SUS’ publicado no dia 5 de março, também na Folha de S.Paulo. No artigo, estes pesquisadores relembram que, além de contribuir com impostos, os cidadãos e empregadores “serão convocados a pagar novamente por um serviço ruim, que julgam melhor que o oferecido pela rede pública, a que todos têm direito. Em nome da limitada capacidade do SUS, o que se propõe é transferir recursos públicos para fundos de investimentos privados”.
(VT – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz)

Publicado na edição impressa do Jornal Brasil de Fato