quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Funk-se - por Cecília Olliveira, Bruno Rodrigues e Silvana Bahia

No dia 30 deste mês acontece na Cinelândia - lugar carregado de simbolismo político - o “Rio Parada Funk”. O local que foi palco de episódios históricos, como a passeata dos cem mil, contra a ditadura militar, em 1968, desta vez vai presenciar algo que promete novamente marcar tanto o universo Funk, quanto a memória da cidade.

Inspirados no slogan da campanha presidencial de Barack Obama, “Yes, We Can” (Sim, nós podemos), que de última hora cancelou o discurso que seria feito na Cinelândia, em sua visita ao Brasil no início do ano, o movimento Funk pretende mostrar de uma vez por todas que funk é cultura.

A estrutura é grande. Avenida Rio Branco terá um total de 10 palcos - o principal deles na Cinelândia. Serão 50 DJ’s, 40 MC’s e 10 equipes de som. Nomes consagrados do estilo, como Mr. Catra, Tati Quebra Barraco e MC Marcinho já confirmaram presença. Em alguns dos palcos, além de música, a história do Movimento Funk será contada, através de palestras e debates sobre temas importantes no cotidiano dos jovens.

O presidente da Associação de Amigos e Profissionais do Funk (Apafunk) e um dos organizadores do evento, Mc Leonardo, sugere que o funk é, no momento, o objeto de uma série de discriminações acumuladas historicamente. Na opinião do Mc, é por isso que o estilo fala por muita gente. “Tem muito artista que sofre censura. Então quando vêem o Funk quebrando barreiras, sentem-se representados. É um gênero que toca em todo o lugar e atinge todas as classes sociais. Creio que o preconceito não é contra o Funk, mas está com o Funk. Somos a bola da vez”, afirma.

O Rio Parada Funk ocorre quase um mês após o segundo aniversário da lei que dá ao Funk o status de Movimento Cultural e Musical de Caráter Popular. Após a conquista, a Apafunk conseguiu viabilizar o primeiro programa de funk em uma rádio pública, o Funk Nacional, que vai ao ar de segunda à sexta, das 15h às 16h, na Rádio Nacional (1130 AM).

“É a afirmação político-cultural do Funk. Tem todo um processo histórico por trás disso, tanto no aspecto da construção do movimento, quanto no da discriminação, infelizmente. A Rádio Nacional é um marco muito importante para todos nós. Lá podemos expor nossas ideias, promover o debate e receber críticas, sejam positivas ou negativas”, diz Mc Leonardo.

Dentre as conquistas dos funkeiros, Leonardo cita ainda a parceria que conseguiram firmar com o Sebrae, para transformar os produtores do gênero em empreendedores; e a contribuição dada pela Apafunk no novo edital que contemplará 25 projetos de produção artística de funk.

Lançado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, o edital está nos últimos dias com inscrições abertas.

A batalha do funk
Setembro foi um mês marcante para o funk não apenas pela comemoração dos dois anos da lei que o declara Movimento Cultural e Musical de
Um jovem de apresenta na Batalha do Passinho. Foto: Jéssica Ventura/ R7

Caráter Popular.
A Batalha Um jovem se apresenta na Batalha do Passinhodo Passinho - evento que sacudiu a cidade - reuniu os mais criativos dançarinos do gênero. As eliminatórias aconteceram em três comunidades com UPP - Andaraí, Borel e Salgueiro. A grande final foi no Sesc Tijuca.

O evento reuniu cerca de 180 jovens de espaços populares que mostraram, ao som do “batidão”, as diversas combinações do funk com o frevo, capoeira, hip-hop e até o balé moderno. “Essa mixagem quase tropicalista é uma das misturas mais ricas feitas na história da arte popular brasileira” conta Julio Ludemir, escritor e roteirista que produziu o evento, junto com seu amigo, o músico Rafael Soares.

A ideia da “Batalha” surgiu da popularidade do passinho na internet. “Não conheço nenhum projeto de inclusão digital ou protagonismo juvenil que chegue aos pés do que os jovens já conseguiram, por iniciativa própria, por intermédio do passinho. Eles, sozinhos, pesquisam, divulgam e discutem estética de um modo mais avançado do que qualquer vanguarda brasileira”, explica Ludemir. Mesmo sendo reconhecido como patrimônio cultural o preconceito com o funk ainda é grande. Porém, a mobilização de diversos atores contra o rótulo que vincula o funk à criminalidade está cada vez mais potente.

Criminalização de um gênero
No fim do ano passado, logo após a ocupação do Conjunto de Favelas do Alemão por forças militares, os jornais cariocas estampavam manchetes relativas à prisão de funkeiros por cantar os chamados "funks proibidos". Eles foram autuados por formação de quadrilha, associação ao tráfico de drogas, incitação ao crime e apologia ao tráfico. Em material disponível no youtube e em rádios on-line, MCs contam e cantam o funcionamento do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, falam sobre armas, poder, dinheiro, sexo e mulheres.

Nova janelaO estigma criminalizante que o funk carrega hoje, já foi do samba e também da capoeira, hoje reconhecidos como manifestações culturais. Grandes nomes como Bezerra da Silva, Jorge Ben Jor e Tim Maia, por exemplo, também tem letras falando de crimes, contravenção e tráfico de drogas, mas hoje tem suas obras respeitadas e suas músicas cantadas em qualquer lugar.

“A ideia do enaltecimento do anti-heroismo parece ser algo que se mostra recorrente na história da humanidade. Em vários nichos culturais, tais como as tribos nômades do oriente, o 'banditismo' do leste europeu, as seminais formações mafiosas no território italiano (do que hoje são claros decorrentes, em parte, o gangsta rap estadunidense e mesmo o funk ‘proibidão’ das favelas cariocas), sempre e especialmente por meio de cânticos popularescos, existe a ideia de contrariar a ordem estabelecida através de letras e poemas que a repelem ou rejeitam, ou, em casos extremos, glorificam, simplesmente, o ato desviante e o próprio criminoso”, explica o Doutorando em Ciências Criminais pela PUCRS, Professor da Universidade de Passo Fundo (MS) Gabriel Divan.

Para Divan, existe um verdadeiro impasse quando se percebe que o conteúdo do crime previsto no Artigo 287 (e no 286 do Código Penal, quanto à Incitação) atinge diretamente esse padrão cultural. “Do ponto de vista técnico, mais do que um ‘canto’ do anti-herói ou uma incitação por vezes tangente (como a de alguns rappers mundialmente famosos), os ‘proibidões’ cariocas em sua maioria personificam e, de certa forma, estimulam, a idéia de ‘glorificação’ intencional das condutas criminosas e de seus agentes, necessárias para que se configure o tipo previsto. Não existe dúvida disso. Os elementos se mostram na intenção destes agentes em praticar a apologia e na publicização desse resultado”.

De acordo com o professor, “caracteriza-se, doutrinariamente, a ‘apologia’, por exemplo, uma música em que o autor passe a honrar algum suspeito da prática de crimes e exaltar diretamente suas proezas, tecendo ameaças a seus ‘rivais’ e enaltecendo supostas práticas criminosas (ex: homicídios de policiais ou o ‘controle’ das bocas de fumo de certos locais)”. Contudo, ele frisa que “deve haver discussão, sim, quanto a legitimidade de se manter criminalizada e apenada com detenção (ainda que seja uma infração de ‘Menor potencial ofensivo’ - pena máxima inferior a 2 anos) uma conduta como essa”.

Divan acredita ainda que uma discussão deve, entretanto, sair do ponto de vista eminentemente legal e se pautar pelo grau de perigo ou ofensa (real e legitima) que uma conduta deve possuir para ser criminalizada. “Dizer que a paz pública vai necessariamente ser ‘violada’ pelos ‘proibidões’ parece alienado e desconexo, bem como criminalizar manifestações musicais (e artísticas em geral) que optam pela estética do 'fora da lei' (ou da cultura de contrariedade a lei) se mostra ingênua ante um problema muito mais complexo que, como quase todos de igual monta, não vai ser ‘modificado’ com a pura e simples criminalização de uma prática. Esta-se punindo alguém por veicular uma estética, em última análise, em uma conduta que não oferece perigo concreto verificável”, reitera.“A criminalização dos funks ‘proibidões’ - bem como ocorreu com a discussão em torno da maconha promovida por vários artistas - principalmente o grupo carioca Planet Hemp ao final da década de 90 – passa, a meu ver, muito mais por uma esfera de moralismo do que propriamente uma identificação de ‘apologia’ e necessidade de sua tutela penal”, finaliza.

Link:http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1105

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