Todos sabem que conselho de mãe é algo que não deve ser desprezado, eu cometi um grande erro... não ouvi minha mãe! Bom, deixa-me explicar, minha mãe se aposentou como professora do município do Rio de Janeiro trabalhou por 25 anos em sala de aula, sempre se dedicou a sua profissão. Deve ter sido por isso que ela sempre me falou: “Minha filha, seja tudo que quiser menos professora”. Eu nunca pensei nem nesta possibilidade, pensava em ser veterinária. Até o dia que entrei no curso pré-vestibular... repensei minha escolha, não sei se foi a falta de maturidade ou o ímpeto rebelde da juventude que me fez optar pela formação de Educação Física, assim como também não sei se foi a busca (utópica?) de uma sociedade que valoriza a educação formal, que me fez apaixonar pela Educação Física escolar. E dessa forma, logo após minha formatura consegui minha primeira matrícula, fiquei feliz, tinha um emprego, me tornei funcionária pública e ainda fazendo o que gostava! Mas, todos sabem que as realizações, as vezes, não condizem com o que havia sido planejado. E assim descobri e comecei a entender o pedido da minha mãe.
No meu primeiro ano lecionando me tornei professora das turmas mais estigmatizadas da escola, mas tudo bem! Uma alma jovem, pronta para os desafios! Bom, aprendi vivenciando a falta de respeito com o professor, a falta de interesse crônica dos alunos pela educação formal, a cobrança por resultados de um grupo que não vive as reais dificuldades da sala de aula, a não integração que há entre a escola e a maioria dos pais. Para exemplificar apenas um desses “aprendizados”, vou narrar a mais marcante.
Numa bela tarde, numa turma de 6º ano com alunos em torno de 15 anos (isso mesmo) um aluno brinca com fósforo embaixo da mesa, eu falei na hora: “Fulano! O que é isso, não pode!” Sabe qual foi a resposta? “Vai tomar no c...” Juro... Precisei respirar fundo, pensar na minha família, na minha vida, na minha carreira. Claro que todos já escutaram algum fato desses ou conhece alguém que já sofreu esse tipo de violência, mas vivenciar é completamente diferente! É algo que não podemos externar de forma fidedigna as sensações. Mas nesse caso acho que serve pra dar uma idéia, né?! Bom, consegui mudar de escola e fui para uma escola dar aula no curso de formação de professores, isso mesmo, atualmente estou auxiliando a formar novos professores. E o que falar para os alunos e alunas quando eles ficam em dúvida sobre a futura profissão? Ficar feliz ou triste em ver as turmas reduzirem mais da metade no final do curso? Assim como os cursos de licenciaturas por todo o país estão reduzindo o número de seus alunos.
O fato é que os professores do Estado do Rio de Janeiro recebem R$680,78 líquidos por 16h de trabalho semanais, para qualquer pessoa que paga suas contas, sabe que este valor não é uma quantia satisfatória para pagar suas dívidas, e outra pergunta que me intriga bastante, quantas pessoas com formação de nível superior (no mínimo) você conhece que recebe esse salário? Fiz questão de colocar a formação mínima de graduação porque a maioria dos professores possui no mínimo uma especialização. Aproveito pra mostrar o quanto nosso governador paga a mais pelo mestrado e doutorado, respectivamente R$210,00 e R$420,00, esses valores são quantias fixas, não são uma porcentagem definida sobre o salário do servidor, ou seja, sabemos que anualmente a inflação aumenta, mas e o adicional de qualificação quando elevará? Então fica claro entender que um grande número de professores que conseguem fazer essa pós-graduação vão optar por lecionar em uma instituição que valoriza mais seu funcionário, e quem sai perdendo? A educação pública de qualidade.
Apesar de descrever apenas algumas dificuldades da carreira docente, segundo nosso governador, existe uma melhora na valorização dos professores! O secretário de educação do RJ orquestra um plano de metas que visa mensurar o trabalho do professor, sabe como? Aplicando uma prova que abrange duas disciplinas (português e matemática) que irá definir o valor de gratificação de uma escola inteira. Gostaria de lembrar que não são todas as escolas da rede estadual que possuem professores das matérias citadas. Também há outras determinações dentro desse plano de metas que ajudam a transformar as escolas em fábricas e seus alunos em mercadorias, a aprendizagem dos alunos se espelha bem mais do que em duas disciplinas e englobam subjetividades que não tem como ser mensuradas com aplicação de uma simples prova, e como fazer depender o salário dos professores dessa prova?
Esses relatos são necessários para tentar explicar para a população como os professores estão passando por momentos de dificuldades. A carreira de magistério não só está sendo desvalorizada, mas daqui a alguns anos poderá estar extinta. Já escutei diversas vezes as pessoas me reprovarem, perguntam por que escolhi essa profissão, porque estou dando aula no Estado, porque não mudo de carreira. O que fica claro é que se não fosse eu ter dois empregos e meu marido também, não seria possível sustentar minha casa e a vida da minha família. E mesmo com esse peso sobre os professores existe uma parcela grande da mídia tentando colocar a opinião pública contra a greve dos professores, dando voz (verdadeira) para apenas um lado da história, por isso achei necessário explicitar através da internet um pouco da nossa luta.
Enfim, hoje sou eu que peço para a minha filha: “Qualquer carreira, menos ser professora!”. Espero, do fundo do meu coração, que qualquer decisão que ela tome não a torne dependente de mais de um emprego ou que seja um local hostil onde não seja valorizada ou uma profissão que não tenha perspectivas de um futuro tranqüilo. Quero uma valorização dos professores não só para aumentar meu salário individualmente, mas para que profissionais gabaritados não tenham que sair da rede para obter valorização e para que a educação pública continue tendo qualidade.
Abraços de uma professora buscando apoio verdadeiro.
Carla Chagas Ramalho
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